Nerdices Filosóficas – Dr. Who e Van Gogh: O que representa a obra de arte?

Autor: Tiago de Lima Castro
Revisão: Paulo V. Milreu
Vitrine: Valério Gamer



Este texto é inspirado no décimo episódio da quinta temporada, Vincent and the Doctor, no qual aparece o pintor neerlandês Vincent van Gogh (1853-1890). Este episódio, além de apresentar van Gogh, lança a questão: o que a obra de arte representa?

É muito comum ao se discutir arte usar o termo representação. Porém, o pensamento de que a arte representa alguma coisa é característico do séc. XIX. Ao longo da história da arte, houveram diferentes maneiras de se compreender a arte, seja como imitação (mimeses), até o séc. XVIII; representação, a partir do séc XVIII; entre outros.

Ao pensar a palavra re-presentação, associada à obra de arte temos a ideia de que a obra torna presente novamente algo. Dessa maneira, ao dizer que um quadro re-presenta a tristeza, significa que essa tristeza já está presente em nossa realidade, mas provavelmente não a percebemos, assim a obra de arte retiraria o véu que nos impede de perceber este sentimento. Por isso, re-presentar significa tornar presente novamente.

NF40-Vincent10No episódio, esse conceito de representação é bem explorado nas cenas finais, onde Amy, Doctor e Vincent deitam no chão para ver as estrelas onde ele continua a explicar sua visão do mundo, na qual há muito mais a ser visto do que as pessoas normalmente o fazem. O próprio fato de somente Vincent conseguir enxergar o alienígena tem a função de mostrar isso, da mesma forma que nos episódios finais desta temporada Vincent vê a Tardis explodindo. Há outros elementos no episódio que nos mostram isso.

Noite Estrelada (1889) - Vincent van Gogh
Noite Estrelada (1889) – Vincent van Gogh


Quando se propunha a arte como imitação (mimeses), significava que a arte era uma cópia, um simulacro, da natureza, seja exterior ou interior de alguém ou algo. Nesse contexto a arte somente imita algo que já se consegue ver, mesmo sendo uma imitação imperfeita em relação à própria natureza. Assim, o problema da arte é exatamente como imitar a natureza da melhor maneira possível.
O conceito da arte como representação surge por diversos fatores, tanto por se ver que as técnicas artísticas de imitação chegaram ao seu limite, como devido à invenção da fotografia, em meados de 1826 por Joseph-Nicéphore Nièpce (1765-1833) – que fora fruto de pesquisas que remontam ao séc. XV – tornando irrelevante a imitação da natureza.

Entretanto, a ideia da arte representar algo também mostra uma mudança, e certa insatisfação, com a sociedade industrial que se consolida naquele período. Vincent antes de se dedicar a pintura, fora um pastor que atuava junto a pobres mineiros, sendo que posteriormente adentrou a arte como maneira de mostrar aquilo que estava se perdendo pelo modo de vida industrial, ou seja, o valor intrínseco a cada pequena coisa.

A arte de van Gogh, é uma volta a existência, que se tem perdido por uma visão técnica de tudo. Por exemplo, pintar o próprio quarto não objetivava imitá-lo perfeitamente, como pensamos fazer com a fotografia, que também reflete o olhar do fotógrafo; mas busca transmitir uma sensação de repouso. Em suas próprias palavras: contemplar o quadro deve ser repousante para o cérebro ou, melhor dizendo, para a imaginação.

Ele não quer imitar o quarto real em sua pintura, mas re-presentar aquilo que ele sente ao ver o seu quarto, de maneira que ao vermos o quadro, ele nos traz presente aquela sensação de sono, de repouso, que deveríamos ter ao olhar o nosso quarto, mas por estarmos tão atarefados com nossos afazeres diários, não conseguimos ver o nosso quarto como um local de repouso, por exemplo.

Quarto de Vincent (1888) - Vincent van Gogh
Quarto de Vincent (1888) – Vincent van Gogh

NF40-Vincent14O episódio nos leva a rever o olhar de van Gogh, enquanto nós não conseguimos ver o movimento, a beleza e a riqueza das simples coisas a nossa volta. A “loucura” de van Gogh talvez seja a nossa loucura em não conseguir ver o que está presente diante de nós. O final do episódio é extramente emocionante, por nos levar a sentir um alento de imaginar alguém como Vincent ver sua obra um pouco sendo compreendida, mas também nos emociona com certa tristeza ao mostrar que vemos a vida em sua intensidade através de sua re-presentação (de seus quadros), mas não através de nosso próprio olhar…

Para quem quiser aprofundar o tema, os livros de Gombrich e Argan são preciosidades. Recomendo ver as obras de van Gogh nos links abaixo. Num dos links assinalados, há inclusive as cartas completas de van Gogh para seu deleite. Tem um artigo sobre a filosofia de Heidegger e a obra de van Gogh que é bem interessante. Posteriormente, recomendo com veemência que assistam novamente ao episódio buscando reparar nestes detalhes, e porque não, ver a preciosidade da vida a sua própria volta.
Fontes de aprofundamento:

A História da Arte, Ernest Gombrich

Análise do estilo de Van Gogh, João Werner

Arte Moderna, Giulio Argan

Galeria completa de Vincent van Gogh – Inclusive com cartas completas

Heidegger e van Gogh: reflexões sobre filosofia e arte, Jasson da Silva Martins e Jacqueline Oliveira Leão

Museu Vincent van Gogh

Publicado originalmente em: http://randomcast.com.br/nerdices-filosoficas-dr-who-e-van-gogh-o-que-representa-a-obra-de-arte/#titulo

© 2013 Tiago de Lima Castro

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