Nerdices Filosóficas – Literatura Fantástica e Fantasia: mundos de regras claras
Este texto iniciará um grupo de textos especulando sobre o problema levantado em “Filmes e literatura de fantasia, quadrinhos: Por que são tão lidos?”,
procurando respostas a este questionamento. Os textos não visam dar a
resposta final a essa problemática, mas utilizá-la para tecer caminhos
que ajudem a ver sob o véu que envolve a questão.
Antes de mergulhar na hipótese trazida do
título, deve-se ter em mente que este texto não é decorrente de
reflexões isoladas de quem o escreve, mas tem influência de comentários e
hipóteses dos leitores do texto anterior, tanto na própria página do
texto como em redes sociais.
Ao apreciar obras de fantasia, vemos um
mundo em que as regras se apresentam de maneira clara durante o processo
de leitura, enquanto que aos personagens estas regras não são tão
claras. Há uma ambiguidade na experiência com a obra, pois ao leitor, ou
espectador, as regras vão sendo apresentadas na experiência com a obra,
enquanto os personagens vivenciam aquele mundo sem saberem exatamente o
porquê de estarem ali, sem compreenderem as regras e motivações de tudo
ali. Como o leitor é externo àquele mundo, vai apreendendo as regras e
os sentidos traçados pelo autor, o que não ocorre com os personagens.
Nessa relação com a obra, o leitor, ou
espectador, se identifica com essa experiência dos personagens de não
apreender os fundamentos de seu próprio mundo, afinal, vivenciamos essa
dúvida e essa falta de um sentido universal, tão buscado pela
metafísica, pela religião e pela ciência num passado recente. Há fortes
indícios que mesmo na vivência de pessoas religiosas, a religiosidade é
vivida somente como um aspecto de sua existência, não mais englobando
sua existência como um todo. A modernidade trouxe essa maneira de viver a
religiosidade diferente do passado ocidental e oriental. Existem
exceções, mas em geral a religiosidade tornou-se um aspecto, ou mesmo um
compartimento de sua existência, o que a faz não trazer uma ideia de
compreensão da totalidade da existência.
No século XIX, após a metafísica tender a
não buscar mais estas respostas, a ciência buscou cumprir este lugar,
tornando-se a única forma de conhecimento possível para apreensão do
Todo, o que no século XX mostrou seu fracasso em apreender o Todo.
De maneira que essa sensação de vazio, de
não haver um sentido completo e único ao mundo, leva a uma falta, uma
nostalgia de momentos em que havia um sentido dado ao mundo.
Na experiência com obras de fantasia,
seja em literatura, quadrinhos, cinema, mangá ou animes, nos
identificamos com essa busca de sentido dos personagens. Entretanto, o
leitor vai apreendendo os sentidos e regras traçados pelo autor, de
maneira que ele vivencia as questões existenciais dos personagens, que
mesmo não as tendo respondido, o leitor as tem quando consegue captar as
regras daquele universo.
É como o niilismo, a nadificação dos valores e sentidos do nosso mundo que o filósofo alemão Nietzsche
(1844-1900) apresenta em sua obra, chegou ao senso-comum, a ponto de
uma nostalgia de um sentido existencial previamente dado, leva a busca
por obras de fantasia, onde pelo menos o leitor nelas apreende os
valores e sentidos daquele mundo.
Muitos filósofos do final do século XIX e
XX vão apresentar uma discussão em que a falta de sentido é preenchida
na medida em que a pessoa crie o sentido se sua própria existência, em
que o próprio existir seja em si mesmo um sentido a existência.
Simultaneamente, houve tendências de
reflexão que viram nessa falta de sentido não uma condição existencial,
mas um fruto do próprio processo de racionalização do mundo. Não como
uma falta da metafísica e da religião, mas como um processo de tamanha
racionalização, que as próprias pessoas vão tornando-se coisas e
vendo-se como coisas, daí a sensação de falta de sentido.
Outros, buscaram reabilitar a metafísica,
mas sem a pretensão de apreensão do Todo, mas numa metafísica não
acabada e sempre aberta, ou através do método intuitivo, ou tendo na
relação com o Outro a própria metafísica.
Existem também outras reflexões, mas se a
hipótese de um sentido previamente dado que motive a busca de obras de
fantasia em diversas mídias for plausível, talvez estas obras sejam uma
abertura a busca e realização do próprio sentido de quem as experiencie,
o que faz dessa hipótese não o fim desse questionamento, mas o início
de um descortinar de questões e reflexões de cada um de nós.
Há outras hipóteses que serão trabalhadas
em outras e mesmo esta se mostra como um caminho aberto a desbravamento
e não um caminho com um fim demarcado.
© 2013 Tiago de Lima Castro
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