Nerdices Filosóficas: Watchmen e a pergunta: o que é a Obra de Arte?
Autor: Tiago de Lima Castro Revisão: Paulo V. Milreu Vitrine: Valério Gamer |
Watchmen, de Alan Moore e Dave
Gibbons, é uma série de quadrinhos lançado entre 1986 e 1987, que
revolucionou a compreensão do que são revistas em quadrinhos de
super-heróis. Vemos um paralelo entre Watchmen e a arte do século XX em
que a própria arte se coloca a pergunta: o que é a Obra de Arte? O texto
de hoje tem como foco analisar essa relação.
No ocidente sempre existiu a arte e
discursos sobre o que é arte, podemos ver já em Platão essas questões
sendo colocadas. Essas questões ligaram-se a outras gerando uma grande
rede de significados, onde temos o conceito do século XIX de arte
enquanto algo singular advindo da criação de um gênio como o senso
comum, porém, numa perspectiva histórica vemos múltiplas compreensões
sobre o que é a arte e o que é a obra de arte.
No século XX, a arte moderna caminhou e a
própria arte vai à busca de uma resposta a esta pergunta. Ao invés de
obras escritas por filósofos e críticos problematizarem essa questão a
própria produção artística irá problematizar essa questão.
Um exemplo é a escultura A fonte de
Marcel Duchamp (1887-1968), que como se vê ao lado, está fora de tudo
que o senso-comum diz sobre o que é uma obra arte. Uma maneira de
interpretá-la é perceber a questão que ela gera: isso é uma escultura? Seguido de: o que é uma escultura? O que deságua em: o que é a obra de arte? Ela fora exibida na Sociedade de Artistas Independentes
em 1917. Um discurso filosófico pode questionar o conceito de obra de
arte, da arte, do belo, entre outros; mas ver essa obra em exibição traz
naturalmente esse questionamento através da própria arte. Há muitos
mais em questão nesse exemplo, mas o abordado é o bastante ao objetivo
do texto.
Ao ver a pintura Quadrado branco sobre fundo branco de 1918, de Kazemir Malevich (1878-1935), a seguinte pergunta emerge: Isso é uma pintura? O que gera: O que é uma pintura? Que inclui a pergunta: O que é a obra de arte?
Afinal, o senso-comum vai dizer que Malevich é um charlatão, mas a
radicalidade desta obra coloca em questão o que é uma pintura, o que é
necessário para classificar uma pintura enquanto pintura.
Por isso Umberto Eco nos diz:
“(…) o artista contemporâneo, no
momento em que começa uma obra, põe em dúvida todas as noções que lhe
foram ministradas acerca da maneira de fazer arte, e planeia a sua forma
de actuação como se o mundo começasse com ele ou, pelo menos, como se
todos que o precederam fossem mistificadores que é preciso denunciar e
pôr em causa.” (A Definição da Arte, p.229)
Voltando a Watchmen, vemos que a obra parte de um conjunto de super-heróis antigos da Charlston Comics,
que tiveram nomes, histórico e universo modificados. De maneira que os
autores não exatamente inventam genialmente seu mundo, mas pegam heróis
do passado e os colocam em outro contexto, mesmo com nomes e aparências
diferentes. Isso já coloca em questão o conceito de criação artística,
tão caro ao século XIX, mas presente em nosso senso-comum.
Cada volume da obra não era composto
somente de um quadrinho, mas sempre ao final havia um texto com
informações, biografias, arquivos, entrevistas dos personagens. De
maneira que além de acompanhar a narrativa pelos quadrinhos, como
tradicionalmente se faz, certos aspectos são apreendidos em outras
mídias, anexadas ao quadrinho. A obra apresenta também múltiplos pontos
de vistas, tanto dos heróis como das pessoas comuns, chegando ao ponto
das pessoas comuns estranharem a realidade em que vivem e também lerem
seus próprios quadrinhos, que são lidos também na obra. Portanto,
quadrinhos dentro de quadrinhos e ao ler Watchmen, de repente, estamos lendo Os Contos do Cargueiro Negro,
até que as narrativas se misturam. Este procedimento coloca em questão o
próprio conceito de quadrinhos ao colocar um quadrinho dentro de outro,
além de outras mídias anexas como parte intrínseca da experiência de
apreensão da obra.
Super-heróis até a época em que Watchmen
foi lançado tinha características advindas dos anos 30, em sua gênese.
Porém, a bondade, desprendimento, virtude, sanidade, entre outros, dos
personagens clássicos são desconstruídos na obra, em que vemos um
personagem como o Comediante ser um herói; o afastamento do mundo de
alguém como Dr. Manhattan, efetivamente o único super-herói da obra; a
obsessão e paranoia de Rorschach, entre outros. Os autores partem do
grande clichê dos quadrinhos que são os super-heróis, para
desconstruí-los a partir de personagens que deveriam representar os
clichês. Imaginando-se no contexto dos quadrinhos de super-heróis nos
anos 80, como não pensar na pergunta: o que são quadrinhos de
super-heróis? Ou mesmo: o que são quadrinhos? E daí: o que é a obra de
arte?
Esse é um dos grandes méritos desta obra,
problematizando tanto o conceito de super-herói como o de quadrinhos em
sua própria obra. Outras obras participarem desse processo de
desconstrução e reconstrução do sentido dos quadrinhos de super-heróis
nos anos 80, mas Watchmen é uma obra que permite múltiplos
questionamentos e reflexões, as quais não se esgotam nesse texto. Uma
recomendação é ver os artigos do prof. João Epifânio Regis Lima abaixo e
os livros indicados para aprofundar essa reflexão.
Fontes de aprofundamento
A Definição da Arte, Umberto Eco
Arte Moderna, Giulio Argan
Alan Moore: O Mago das Histórias, Gary Spencer Millidge
Watchmen, Alan Moore e Dave Gibbons
© 2013 Tiago de Lima Castro
Comentários
Postar um comentário