Nerdices Filosóficas – Tempo, memória e existência
Hoje a coluna será diferente. Por motivos
pessoais, a reflexão girará em torno da relação tempo-existência.
Muitos personagens sofrem da falta de memória e, portanto, da falta de
um passado. Pode-se pensar em Wolverine; Joel, de “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”; Bourne, entre outros. Qual a relação entre memória e existência? E onde entra a questão do tempo?
O problema do tempo é dos mais antigos em
filosofia, o qual nem mesmo com a influência da ciência em nossos dias
deixou de ser uma questão em constante abertura. O fato do humano
perceber a passagem do tempo e conhecer a sua mortalidade, sempre levou a
questões sobre: O que é, afinal, o tempo? Agostinho de Hipona
foi dos primeiros a refletir sobre o tempo e o problema de apreendermos
o tempo através da nossa interioridade e não conseguirmos colocá-lo em
palavras, de maneira exata, o que é o tempo. Também articulou o problema
de que o presente efetivamente existe, mas tão logo se pensa nele
torna-se passado, memória; e o futuro é sempre um vindouro que nunca
chega. De maneira que, o tempo presente é experienciado, mas não
necessariamente apreendido através da linguagem.
Dentre as grandes reflexões, percebeu-se
que o tempo relaciona-se com a memória, pois somente percebemos a
passagem do tempo através dela. Apreendemos a nossa própria existência
através da memória, pois sem ela não perceberíamos a passagem do tempo,
sendo que há um tempo fora de nós, um tempo físico, natural, e ao mesmo
tempo histórico; porém, nossa consciência o apreende de maneira
diferente, num fluxo de momentos interpenetrados e não espacializados
que Henri Bergson chama de Duração.
Paul Ricoeur
vai dizer que somente apreendemos o tempo após ele ser narrado, ou
dizendo de outra maneira, sendo escrito e registrado. De certa maneira, a
narrativa dos fatos é a origem do tempo histórico, ou melhor, da
apreensão do tempo enquanto história.
É natural que personagens sem memória
busquem seu passado, afinal, sem a presença do passado não parece haver
possibilidade de existência no presente. A ausência da memória seria
quase como a ausência da própria existência. Esse vínculo entra a
memória e existência é a causa do sofrimento de portadores de Alzheimer,
como se pode ver no filme L´Amour (Amor), dirigido por Michael Haneke. De certa forma, o mesmo sofrimento dos personagens acima.
A prisão no passado, como forma de evitar
vivenciar o presente, também é extremamente lesivo, afinal, nem sempre o
passado é bom e todos têm seus erros e acertos. Talvez, a relação
existencial com o passado seja algo intrínseco ao nosso modo de ser, mas
o exagero nessa re-vivência do passado é extremamente danoso, como
vemos também com estes personagens, afinal: será que a superação desse
passado não seria melhor para estes personagens e a vivência do agora e
do futuro ser seu foco? Será que o passado de Wolverine é tão melhor que
seu presente?
Cada personagem mostra uma ótica
diferente sobre o tema, o que permite repassarmos as reflexões
filosóficas sobre o tempo para compreender a sua relação intrínseca
entre o tempo e existência. Tal assunto parece ser complexo e fora do
real, mas a relação existencial entre memória e tempo é fonte de
traumas, dores, angústias em que não percebemos que existimos no agora,
nesse fugidio presente que é sempre fluxo, em que o passado está em nós
de alguma maneira, mas somente enquanto memória que é nossa própria
consciência, ou seja, algo não acabado em contínua auto-criação.
O próprio portador de Alzheimer: será que
a fixação de um passado que se esvai não causa mais sofrimento do que
ignorar esse esquecimento e viver cada momento como um novo? Claro que a
experiência dos portadores é um tanto inacessível, mas mesmo aqueles
que não apresentam distúrbios de memória, mas vivem buscando
re-vivenciar um passado – o qual pode nem ter existido ou ter sido como
se lembra – é fonte de grande sofrimento. Olhar a si com generosidade
para vivenciar o agora superando o passado é algo a ser apreendido e
vivenciado.
A passagem de um novo ano de vida é a
possibilidade de existir, de efetivamente ser, superando o passado
retendo-o na memória, mas vendo no aqui o momento de existir, que
projetar, de criar, de experenciar, de amar, de sorrir, de executar,
pensar, sofrer, mas sempre continuar nesse fluxo existencial, o qual não
é um fluxo isolado, mas permeado de outros fluxos, pois, sem os outros
não há existência, não de pode ser sozinho, por nem ao menos nascemos
sozinhos… A relação com os outros é que fecunda a memória de
experiências, o que permite realmente sermos… E na relação com os outros
que se possibilita a existência com todo seu ser, com abertura de
experiências e de auto-criação. Não seria isso o amor? (Este
indefinível, mas experienciável modo de ser?)
Ai a reflexão pessoal, afinal, cheguei a mais um ano de vida…
© 2013 Tiago de Lima Castro
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