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Cidade dos Anjos: o Amor enquanto queda


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Cidade dos Anjos (City of Angels) é um filme de 1998 dirigido por Brad Silberling estrelado por Nicolas Cage, o anjo Seth, e Meg Ryan, a médica Maggie Rice. O filme fora uma refilmagem de Der Himmel über Berlin, de 1987, dirigido por Wim Wenders. Provavelmente, não é necessário apresentar o filme ou trazer uma sinopse, mas se quiser veja recomendações ao final.

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Este filme apresenta múltiplas possibilidades de reflexão, desde a teologia e discussão de livre-arbítrio implícita ao filme, as reflexões sobre a morte, a condição existencial de médicos de não poderem controlar a vida e a morte mesmo com todo o seu conhecimento, entre outros.

No filme, acompanhamos a escolha do anjo Seth de renunciar a sua condição angélica para a condição humana. A grande questão é: O que é essa queda? O filme parece mostrar essa queda como uma saída de uma condição plenamente imaterial e transcendente, onde se está numa condição estável e segura, já que ali não há os sentidos materiais e todas as vicissitudes inerentes ao corpo, mas ao mesmo tempo se está distante das pequenas sensações como sabor, dor, tato, toque;  diferente da condição humana que é imaterial e imanente a toda uma rede sensorial.
fallSeth busca a queda por uma curiosidade sobre o que é ser finito, limitado, mas ao mesmo tempo imersos em um mundo sensorial rico e intenso que esquecemos em nosso cotidiano. Talvez, estejamos tão imersos em preocupações inúmeras que nos esqueçamos de sentir o gosto do que comemos, de sentirmos o odor do que está a nossa volta, e mesmo das múltiplas sensações que o tato nos traz. É incrível como um anjo celestial em sua busca por escutar as descrições sensíveis de Hemingway, nos faz pensar o quanto deixamos de efetivamente perceber nossos sentidos.
Porém, a queda tem uma busca maior. Por mais que Seth seja um anjo que ajude as pessoas e tem seus amigos, sente-se só não somente de sensações, mas vemos a metáfora de sua busca pelo toque, pelo contato com a doutora Maggie, que é uma falta de alguém, falta de sair de sua condição intocável e inatingível para tornar-se vulnerável, perder sua segurança angelical em troca da frágil possibilidade humana de Amar e abrir-se ao outro.
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Amar é também jogar-se, cair de uma situação de inacessibilidade e invulnerabilidade pela vulnerabilidade que é a parte da relação com o outro. Amar é sair de uma condição de conforto, de plena segurança, pois Amar implica em doar-se, em sair de si mesmo e compartilhar os sentimentos, as carícias, a convivência e a própria existência, mesmo com seus defeitos e tiques pessoais, os quais na solidão estão seguros e em zona de conforto. Amar o outro não é isso, é colocá-los em teste, é colocar em teste sua própria condição de um indivíduo imutável para uma abertura a transformação nessa convivência existencial.

Amar não deixa de ser um mergulho na insegurança, no desconforto, nas emoções e sensações confusas que advém de abrir-se ao outro. Da mesma forma que entrar o mar é sentir cada estímulo cada pequeno pedaço de sua pele, sentindo as correntes passando por seu corpo sentindo-se parte do Todo, Amar alguém é abrir-se, mergulhar nestas ondas que te levam a um lugar que você não sabe exatamente onde é, sentir- frágil por não controlar estas ondas, mas completo por senti-las. É o paradoxo da segurança de Amar e da insegurança sobre o outro, paradoxo de linguagem e de razão, mas não somente sentir o outro e o Todo, mas uma experiência de duração, de abrir-se ao outro não sendo o outro um objeto, mas sim uma empatia, uma coincidência, entre o si-mesmo e o outro indescritível pela razão, mas plena intuição do próprio fluxo vital.

imagesNo entanto, vemos ao final do filme que mesmo Maggie e Seth não podendo ficar juntos – provavelmente você já sabe o porquê –, o filme nos mostra como que Seth ainda pode ser feliz.

cidade-dos-anjosAbrir-se ao outro é ainda uma experiência pessoal, não uma fusão completa com o outro. Mesmo a abertura do Amor ao outro podendo trazer dor ao vivenciar essa abertura, mesmo sendo esta passageira, traz uma emoção e alegria que inunda a toda existência, já que a intuição do fluxo vital, do Todo, pode ser uma abertura do si-mesmo que traz uma completude advinda de sempre renovar essa abertura, o Amor, a cada pequeno instante do tempo mensurável, mas de qualidades infinitas na apreensão desta duração.

Afinal, mesmo que a relação com o outro acabe, se houve Amor, se houve abertura de si, toda a existência pode ser válida, pois, finalmente, aprendeu-se a sair de si mesmo e entrar em comunhão com o Todo através do outro.

Seth adentrando o mar ao final do filme é uma cena belíssima, pois mostra como o Anjo aprendeu a Amar, e ao aprender a Amar, a comunhão com o Todo, simbolizado no ato de sentir as ondas do mar, provavelmente tenha sido mais intenso que todos os momentos em que apreciou a música celeste, mas não completamente aberto ao Amor.

Informações

Crítica de Pablo Villaça

© 2013 Tiago de Lima Castro

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