Nerdices Filosóficas – Tolkien, a técnica e a natureza




Autor: Tiago de Lima Castro
Revisão: Paulo V. Milreu
Vitrine: Valério Gamer
No texto Filosofia e a Realidade abordou-se a ideia de encontro em Gilles Deleuze (1925-1995). Por mais que este texto fosse escrito de maneira diferente, a ideia central do encontro entre a filosofia e arte enquanto atos de criação, sendo a filosofia uma criação de conceitos e a arte uma criação artística, que permite mútua fecundação, é importante para pensar a questão que norteia este texto.
 

Muitos autores na passagem do séc. XIX para o séc. XX preocupam-se com o desenvolvimento da técnica e da postura do humano enquanto dominador da natureza e das funestas consequências para a própria existência humana. Autores como Friedrich Nietzsche (1844-1900), Martin Heidegger (1889-1976), os membros da Escola de Frankfurt, entre outros; apontaram a maneira com que a ciência moderna se desenvolveu partindo de uma concepção de dominação da natureza, embasada em uma compreensão do Humano como centro da criação e do universo, como fatores que propiciaram essa relação de dominação e abuso do humano com a natureza. Isso foi já foi abordado no texto sobre Capitão Planeta e a Razão Instrumental.

Henri Bergson (1859-1941), em A Evolução Criadora, também aborda essa questão, mas propondo que a razão é uma faculdade com fins práticos para manutenção da vida humana, pois enquanto os animais têm seus instintos, o humano necessita da razão, que é fruto da evolução do elán vital. Essa concepção não trabalha com um binômio humano e natureza, mas trabalha com a ideia de que o processo de evolução da vida deu origem a esta faculdade no humano. Desta maneira, o humano tem suas características próprias, mas não está à parte na natureza. Esta concepção vai influenciar o conceito de ato de criação de Deleuze.
Há muitas outras posturas filosóficas sobre esse tema, inclusive recomendo ler o texto citado acima e suas referências para ver algumas delas. Porém, J. R. R. Tolkien (1892-1973) enquanto escritor, também abordou essa questão na sua obra como um todo. O escritor trabalha este tema tanto nas tramas da Saga do Anel, como na maneira com que conduz o Silmarillion. Dizer que o escritor escreveu sua obra somente para defender uma perspectiva sobre esse tema seria reduzir sua obra que fora construída para ser uma mitologia. No entanto, ela apresenta possibilidades interessantes de pensar essa questão.

Primeiramente, esse texto não tem a pretensão de ser uma análise pormenorizada e de um especialista na literatura de Tolkien, porém, há elementos que permitem repensar essa relação do humano, da técnica e da natureza sob um prisma tolkiniano. O diálogo terá a Mey Linhares, e sua coluna Genealogia da Terra Média como intermediária.

É interessante que Ilúvatar ao criar a Terra Média não o faz sozinho. Ele primeiro cria os Ainur, e depois em conjunto com eles é feita a grande música que dá origem a toda a criação. É como se os atos de criação fossem uma herança passada por Ilúvatar. Posteriormente, os seres criados também realizarão criações, como Yavanna que criou as florestas, sendo que até mesmo humanos, elfos e anões criam grandes construções, entre outras coisas. Dessa maneira, a possibilidade de atuar na criação não é algo interditado às suas criações, mesmo tendo limites. Essa postura, independente das nuances do poder criador nas criaturas, de possibilidade de interferência na criação – considerando a arte como criação, pensando na arquitetura, por exemplo – não seria algo antinatural.

Claramente, há certa tensão entre os seres criados sobre a extensão dessa possibilidade, os limites impostos por Eru e os riscos implícitos a ela. Vejamos em Isengard, onde o excesso de derrubada de árvores causou um desequilíbrio levando os Ents a se colocarem contra Saruman. Ali vemos claramente a metáfora de uma sociedade industrial cega pelas possibilidades da técnica esquecendo sua relação originária com a natureza. No entanto, é o excesso de derrubada de árvores, de busca de dominação da natureza afastando Saruman de sua origem que é prejudicial, não a interferência equilibrada, afinal, se desde o começo as criações, os Ainur, criaram conjuntamente com o criador, o problema está nos excessos. A criação dos anões por Aulë e a as ações de Melkor exemplificam isso também.

Lendo Tolkien enquanto mitologia – onde esta não é somente uma forma de literatura, mas busca despertar o pensar naqueles que a leem – podemos inferir que o problema da técnica e do uso da natureza em nossos dias está em exagerar os atos de criação na técnica ao ponto de passar do limite da natureza, afastando-nos dela e também nos tornando egoístas devido à cegueira do potencial da técnica. É nesta falta de equilíbrio que estaria o grande problema, já que a possibilidade de criar também subsiste em cada indivíduo, vide a criação de conceitos na filosofia, a criação musical, a criação cinematográfica, entre outras artes, e a própria criação científica.

Ler Tolkien pode ser uma experiência de repensar a relação do humano com a natureza e do uso da técnica não proibitivo, mas em um equilíbrio entre os humanos e a natureza. Para entender melhor essa questão de ato de criação, recomendo o vídeo abaixo.


© 2013 Tiago de Lima Castro

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