Nerdices Filosóficas – Tolkien, a técnica e a natureza
Muitos autores na passagem do séc. XIX para o séc. XX preocupam-se
com o desenvolvimento da técnica e da postura do humano enquanto
dominador da natureza e das funestas consequências para a própria
existência humana. Autores como Friedrich Nietzsche (1844-1900), Martin Heidegger (1889-1976), os membros da Escola de Frankfurt, entre outros;
apontaram a maneira com que a ciência moderna se desenvolveu partindo de
uma concepção de dominação da natureza, embasada em uma compreensão do
Humano como centro da criação e do universo, como fatores que
propiciaram essa relação de dominação e abuso do humano com a natureza.
Isso foi já foi abordado no texto sobre Capitão Planeta e a Razão Instrumental.
Henri Bergson (1859-1941), em A Evolução Criadora,
também aborda essa questão, mas propondo que a razão é uma faculdade
com fins práticos para manutenção da vida humana, pois enquanto os
animais têm seus instintos, o humano necessita da razão, que é fruto da
evolução do elán vital. Essa concepção não trabalha com um
binômio humano e natureza, mas trabalha com a ideia de que o processo de
evolução da vida deu origem a esta faculdade no humano. Desta maneira, o
humano tem suas características próprias, mas não está à parte na
natureza. Esta concepção vai influenciar o conceito de ato de criação de
Deleuze.
Há
muitas outras posturas filosóficas sobre esse tema, inclusive recomendo
ler o texto citado acima e suas referências para ver algumas delas.
Porém, J. R. R. Tolkien (1892-1973) enquanto escritor, também abordou
essa questão na sua obra como um todo. O escritor trabalha este tema
tanto nas tramas da Saga do Anel, como na maneira com que conduz o
Silmarillion. Dizer que o escritor escreveu sua obra somente para
defender uma perspectiva sobre esse tema seria reduzir sua obra que fora
construída para ser uma mitologia. No entanto, ela apresenta
possibilidades interessantes de pensar essa questão.
Primeiramente,
esse texto não tem a pretensão de ser uma análise pormenorizada e de um
especialista na literatura de Tolkien, porém, há elementos que permitem
repensar essa relação do humano, da técnica e da natureza sob um prisma
tolkiniano. O diálogo terá a Mey Linhares, e sua coluna Genealogia da Terra Média como intermediária.
É interessante que Ilúvatar
ao criar a Terra Média não o faz sozinho. Ele primeiro cria os Ainur, e
depois em conjunto com eles é feita a grande música que dá origem a
toda a criação. É como se os atos de criação fossem uma herança passada
por Ilúvatar. Posteriormente, os seres criados também realizarão
criações, como Yavanna
que criou as florestas, sendo que até mesmo humanos, elfos e anões
criam grandes construções, entre outras coisas. Dessa maneira, a
possibilidade de atuar na criação não é algo interditado às suas
criações, mesmo tendo limites. Essa postura, independente das nuances do
poder criador nas criaturas, de possibilidade de interferência na
criação – considerando a arte como criação, pensando na arquitetura, por
exemplo – não seria algo antinatural.
Claramente,
há certa tensão entre os seres criados sobre a extensão dessa
possibilidade, os limites impostos por Eru e os riscos implícitos a ela.
Vejamos em Isengard, onde o excesso de derrubada de árvores causou um
desequilíbrio levando os Ents a se colocarem contra Saruman. Ali vemos
claramente a metáfora de uma sociedade industrial cega pelas
possibilidades da técnica esquecendo sua relação originária com a
natureza. No entanto, é o excesso de derrubada de árvores, de busca de
dominação da natureza afastando Saruman de sua origem que é prejudicial,
não a interferência equilibrada, afinal, se desde o começo as criações,
os Ainur, criaram conjuntamente com o criador, o problema está nos
excessos. A criação dos anões por Aulë e a as ações de Melkor exemplificam isso também.
Lendo
Tolkien enquanto mitologia – onde esta não é somente uma forma de
literatura, mas busca despertar o pensar naqueles que a leem – podemos
inferir que o problema da técnica e do uso da natureza em nossos dias
está em exagerar os atos de criação na técnica ao ponto de passar do
limite da natureza, afastando-nos dela e também nos tornando egoístas
devido à cegueira do potencial da técnica. É nesta falta de equilíbrio
que estaria o grande problema, já que a possibilidade de criar também
subsiste em cada indivíduo, vide a criação de conceitos na filosofia, a
criação musical, a criação cinematográfica, entre outras artes, e a
própria criação científica.
Ler
Tolkien pode ser uma experiência de repensar a relação do humano com a
natureza e do uso da técnica não proibitivo, mas em um equilíbrio entre
os humanos e a natureza. Para entender melhor essa questão de ato de
criação, recomendo o vídeo abaixo.
Com legendas em português: http://www.dailymotion.com/video/x1dlfsr_gilles-deleuze-o-que-e-o-ato-de-criacao-legendas-em-portugues_creation
Publicado originalmente em: http://randomcast.com.br/nerdices-filosoficas-tolkien-a-tecnica-e-a-natureza/#titulo
© 2013 Tiago de Lima Castro
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