Nerdices Filosóficas – Literatura e Filosofia: uma antiga discussão
Autor: Tiago de Lima Castro Vitrine: Valério Gamer |
A filosofia e a literatura tem algo em
comum: ambas apresentam visões da realidade através da linguagem falada e
escrita. Porém, a origem da filosofia pode ser interpretada como uma
luta entre a literatura, principalmente contra a epopeia de Homero; com o
conhecimento racional da realidade.
Para os gregos, a obra de Homero inspirava todo o modo de ser grego, tanto em seu ideal heroico como na maneira de ver o kósmos,
a ordem da realidade. Portanto, vemos as forças da natureza
representadas pelos deuses, onde cabe ao humano aceitar sua finitude e
que as forças naturais agem independentemente de sua vontade, sendo uma
tolice rebelar-se contra elas. Posteriormente, outros autores tiveram
essa função na cultura grega.
Dessa maneira, vê-se a literatura como
uma interpretação da realidade através de uma narrativa que imita essa
realidade, sendo essa a visão helena da própria literatura.
A filosofia surge com os pré-socráticos
com outra proposta. A linguagem não serve mais como imitação da
realidade somente, mas como uma expressão dessa realidade. Por mais que
os primeiros filósofos se expressavam através de uma linguagem poética e
metafórica, aqui já não é uma narrativa ou um feito heroico sendo
imitado na linguagem, mas busca-se expressar a própria realidade.
Com Sócrates e Platão, a filosofia começa
a rebelar-se a literatura em sua capacidade cognitiva, pois ao
imitar-se um ato heroico de Odisseu, por exemplo, não se sabe o porquê
daquele ato realmente ser heroico. Portanto, a literatura careceria de
condições de formar bons humanos, já que as pessoas somente imitariam
aquele ato heroico, não tendo realmente a virtude de um herói. Ao invés
de imitarem-se atos, como Platão compreende que a literatura faz,
deve-se questionar sobre os conceitos, sobre o que é a virtude, a
coragem, o belo, o bem… A reflexão filosófica através de conceitos é que
realmente permitira participar-se da verdade, sendo então a literatura
algo menor.
É interessante que quando Platão inicia
essa discussão sobre filosofia e literatura, ele mesmo fora um dos
maiores escritores gregos, dominando a escrita de maneira magistral como
vemos em seus diálogos. Tal paradoxo recebe diversas interpretações dos
estudiosos, não havendo espaço nesse texto para abordá-las.
Ao longo da história da filosofia essa
disputa continua. Há filósofos que tem forte influência literária em sua
escrita, como Agostinho, Voltaire, Nietzsche, Bergson, Heidegger,
Camus, Sartre, entre outros; enquanto outros filósofos preferem uma
escrita lógica como Aristóteles, Tomas de Aquino, Descartes, Locke,
Leibniz, Popper, entre outros.
Isso gera um problema que essa coluna tem
enfrentado: Pode-se usar a literatura para refletir-se filosoficamente?
É um eterno debate, onde na coluna escolheu-se uma postura de diálogo
entre a literatura e a filosofia, ou como diria Deleuze, um encontro.
Porém, ao ler um filósofo precisa-se
entender sua perspectiva, pois ler filósofos com tendências literárias,
como citado acima, buscando ver um discurso racional no qual a razão
basta para sua apreensão pode levar a leituras extravagantes como muito
se faz com Nietzsche, por exemplo. Nestes casos, necessita-se de
imaginação e intuição para ler o filósofo, degustar cada metáfora não
exatamente como literatura, mas como comunhão entre razão e a
experiência da leitura.
Buscar num filósofo lógico como
Aristóteles uma leitura agradável e imaginativa levará a frustrações e
falta de compreensão. Precisa adentrar-se ao processo lógico de escrita e
leitura, pois sem esse mergulho a leitura não será efetiva.
Quando dialogamos a filosofia com a
literatura, e a arte em geral, é esse processo de busca por uma ideia
original, por um movimento do pensamento na arte que pode ter
ressonância com um movimento do pensamento na filosofia, desde que não
se crie verticalidade, ou seja, escolher uma como superior e melhor que a
outra.
Esse número lança um desafio ao leitor:
Busque ler a literatura buscando esse fio condutor, esse movimento do
pensamento que o escritor realiza. Aplique o mesmo ao cinema, aos
quadrinhos, as séries, a pintura, a música, a dança… Não é um desafio
fácil, mas é incrível de ser vivenciado.
Publicado originalmente em: http://randomcast.com.br/nerdices-filosoficas-literatura-e-filosofia-uma-antiga-discussao/
© 2013 Tiago de Lima Castro
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