Nerdices Filosóficas – Obras de Fantasia e o poder da palavra
Hoje o artigo está um pouco diferente, pois ao invés de relacionar
seja um personagem, seja um filme, seja um livro, ou seja, um quadrinho
com algum filósofo ou tradição filosófica, o tema será geral. Por que em
obras de Fantasia as palavras e a linguagem tem tamanho poder?
Elas foram tidas como algo poderoso desde o alvorecer da humanidade.
Em praticamente todas as culturas a palavra e a linguagem foram
elementos compreendidos de maneira mágica. Quantas religiões e seitas
não tiveram palavras proibidas de serem ditas fora de uma classe
específica?
Um dos grandes problemas da filosofia, como já abordada na primeira coluna,
é conceituar alguma coisa, responder a pergunta: O que é? Já entre os
primeiros pré-socráticos, como Parmênides e Heráclito essa discussão
existe. Para o primeiro, a linguagem permite dizer o ser dessa coisa,
permite responder a pergunta o que é, através daquilo que é estático e
não se transforma. Já para Heráclito, só existe o vir-a-ser, o
devir, a transformação, a mudança o movimento, daí a linguagem não poder
conceituar o que as coisas realmente são. Essa discussão permeia toda a
história da filosofia, permanecendo um debate sempre em aberto.
Por que então as obras de Fantasia trazem o elemento mágico através
das palavras? Em Tolkien, uma palavra pode ser a chave de uma fechadura,
por exemplo, sendo que a própria criação da Terra Média utilizou-se de
música com palavras; em Harry Potter, as magias são realizadas com
palavras de uma língua específica.
Uma explicação é que essas obras são inspiradas em mitologia e textos
antigos. Mas não será uma resposta preconceituosa e simplista? Será que
não há algo mais nesse uso mágico da linguagem e das palavras?
Na Fantasia, o poder de criação e manipulação da realidade através da
palavra remete-se ai ao processo de conhecimento da realidade, o qual
ocorre através da linguagem. Tudo necessita de um nome, um conceito. No
momento em que se conceitua algo, é o momento em que essa coisa se torna
real e familiar para as pessoas. Por isso, toda criança passa pela fase
de perguntar: O que é isso? É o momento em que ela interpreta e cria
sua própria realidade conceituando as coisas e ao mesmo tempo limitando
essa realidade as suas conceituações. No cotidiano, quando se diz que
alguém deve mudar seus conceitos, mostra-se o poder criador de
compreensão da realidade das palavras e da linguagem.
Portanto, pode-se dizer que a Fantasia é a mais realista das ficções,
pois ao tratar da palavra e da linguagem como criadoras de realidades,
ela toca profundamente a possibilidade criadora da linguagem. Se a
linguagem é criadora de nossa compreensão da realidade, não é a
linguagem realmente algo mágico?
Publicado originalmente em: http://randomcast.com.br/nerdices-filosoficas-obras-de-fantasia-e-o-poder-da-palavra/
© 2013 Tiago de Lima Castro
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