Nerdices Filosóficas – Batman: o símbolo enquanto canalizador da ira popular
Autor: Tiago de Lima Castro Revisão: Juan Villegas Vitrine: Valério Gamer |
Vamos conversar sobre a trilogia do Batman, dirigida por Christopher Nolan. A trilogia é composta pelo filmes: Batman Begins (2005), The Dak Knight (2008) e The Dark Knight Rises (2012), que podemos analisar não somente enquanto filmes independentes, mas como uma grande narrativa dividida em três filmes.
Desde o primeiro filme, o Batman é colocado como um símbolo, que não
necessariamente precisa ser Bruce Wayne, com o objetivo de levar as
pessoas a lutarem pela restauração de Gotham, como um símbolo que
canalize e movimente o processo de transformação necessário à cidade.
No primeiro filme, Batman torna-se esse
símbolo de esperanças à Gotham. No segundo, vemos os problemas que um
símbolo de trevas pode trazer, pois os cidadãos começam a se arriscar
vestidos de Batman, daí Bruce Wayne perceber a necessidade de um
cavaleiro branco, alguém que causa transformação dentro das próprias
regras, investindo em Harvey Dent, mas graças à ação do agente do caos, o
Coringa, Dent enlouquece, mas como Batman percebeu o efeito salutar de
Dent enquanto Cavaleiro Branco, ele assume a culpa por sua morte
tornando-se um Cavaleiro Negro, um Cavaleiro das Trevas, para manter a
imagem de Dent. No terceiro filme, Gotham se torna mais segura devido ao
Ato Dent, que possibilita a prisão rápida de bandidos tornando
a cidade mais segura, construída sobre uma mentira, do crime do Batman e
da falsa imagem de Harvey Dent. Isso possibilita a Bane tomar conta da
cidade, utilizando a mentira como canalizador da ira popular – antes
canalizada pela figura do Cavaleiro Branco – contra o sistema e a
divisão entre ricos e pobres da cidade, sendo que Bane almeja destruir
Gotham como símbolo do que ocorre no excesso de corrupção,
deterioramento social, como já era o plano inicial de Ra’s’al’Ghul. Ao
final, Batman necessita ressurgir como símbolo de esperança para
canalizar a ira popular para frustrar os planos de Bane, salvando a
cidade tanto de Bane, como de sua deterioração, por tornar-se um símbolo
de esperança. O próprio final, mostra a constante necessidade de um
símbolo para que Gotham ressurja de suas trevas.
A leitura de Platão efetuada por Peter
Sloterdijk pode ajudar a compreender a trilogia – a coluna não tem o
objetivo analisar essa leitura. Platão dividiu a alma humana em três
partes: lógos, a parte racional e superior da alma; o thymós, situada no peito, no coração, representa o arrebatamento, a ira; e epithymía,
localizado no baixo ventre, representa os desejos, os apetites.
Posteriormente, se dividirá a alma em racional, representando o lógos, e a irracional, o thymós e a epithymía; mais a frente, a parte irracional será conhecida como paixões.
Platão vai propor que a ira necessita
ajudar a razão a vencer o desejo para realizarem-se nobres ações.
Pensemos em um guerreiro, para realizar suas ações necessita que sua
razão (lógos) una-se a ira (thymós) para vencer o desejo (epithymía) de continuar vivo e, portanto, fugir. Somente o lógos sozinho não ajuda o guerreiro, somente o lógos unido ao thymós, para vencer a epithymía,
que permitem ao guerreiro ter coragem. Em nossa vida cotidiana, a
coragem de realizar o necessário, arrumar um novo emprego, nos
transformar, entre outros, necessita não somente de nossa razão, mas da
coragem (thymós) para vencer o desejo de preservação, fonte do medo daquilo que é novo.
O filósofo Peter Sloterdijk analisará
como após o cristianismo oficial, a ira foi sendo deixada de lado, e os
indivíduos acostumando-se a canalizá-la a Deus, numa compreensão de Deus
irado e, posteriormente, no comunismo, como implantado na Rússia, no
nazismo e o maoísmo, na China. O autor propõe que estes movimentos
sociais foram possíveis, pois canalizaram a ira dos indivíduos em um
inimigo comum, como hereges, judeus, capitalistas… Propõe que podemos
ver os conflitos na modernidade como processos de canalização de ira
para realizações políticas, necessitando de uma contínua canalização
para sua manutenção. A segunda metade do século XX já teria como
característica discursos que impossibilitam essa canalização da ira em
torno de um único ideal.
Vemos que a trilogia do Batman mostra o personagem como este canalizador de ira (thymós),
pois racionalmente a população chegar à conclusão que necessita
denunciar, fazer a sua parte contra a corrupção que assola a cidade, mas
não tem coragem para isso, necessitando de um símbolo que canalize esta
ira, mesmo na própria polícia, como vemos no último filme, também
problematizando esse processo, pois quando a ira foi canalizada por uma
mentira, bastou a mentira ser descoberta para tudo desencaminhar. Também
problematiza essa questão ao mostrar possibilidades negativas dessa
canalização, tanto no fascismo do Ato Dent, que levou uma
mulher a ser presa numa prisão, ou talvez um depósito de presos, junto
com homens, com pessoas que necessitariam estar em manicômio; como no
totalitarismo da própria ditadura popular.
Se quiser aprofundar-se no tema, leia as
obras indicadas de Platão, procure comentadores para ajudá-lo, mas
arrisque-se a ler por contra própria. O livro do Peter Sloterdijk é bem
interessante de ser pensado. Há outra análise sobre o último filme do
Batman, do filósofo Slavoj Žižek, que merece ser lida, inclusive porque
ele reflete o filme por outros caminhos.
Fontes de Aprofundamento
A República, Fedro e O Banquete, Platão
Ditadura do proletariado em Gotham City, Slavoj Žižek
Ira e Tempo: ensaio político-psicológico, Peter Sloterdijk
Vocabulário grego da filosofia, Ivan Gobry
Ditadura do proletariado em Gotham City, Slavoj Žižek
Ira e Tempo: ensaio político-psicológico, Peter Sloterdijk
Vocabulário grego da filosofia, Ivan Gobry
Publicado originalmente em: http://randomcast.com.br/nerdices-filosoficas-batman-o-simbolo-enquanto-canalizador-da-ira-popular/
© 2013 Tiago de Lima Castro
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