Nerdices Filosóficas – Por que Arwen, Highlander, Vampiros, e outros imortais almejam a mortalidade?
Para compreender a coluna veja a página de explicação.
Autor: Tiago de Lima Castro Revisão: Juan Villegas Vitrine: Valério Gamer |
Ao vermos os personagens Arwen, do Senhor dos Anéis, Connor MacLeod, de
Highlander, Louis, de Entrevista com o Vampiro, entre outros; vemos
imortais que sofrem exatamente por sua imortalidade, almejando a
mortalidade. Isso se choca frontalmente com o drama da finitude humana,
ou seja, o drama que todo humano experiencia: saber que é mortal.
Podem-se elencar algumas obras como fontes da cultura ocidental: A
Ilíada e Odisséia de Homero, do aspecto grego; e a Bíblia, do aspecto
judaico-cristão. Podem-se lê-los de um ponto de vista religioso, mas
também podem ser lidos como obras de cunho moral que visavam a formação
do caráter humano e que, portanto, podem ser lidas para se compreender a
gênese do modo ocidental de ser.
Nas obras de Homero, vemos a figura do
herói, já discutida na coluna, a qual tem como uma de suas
características a finitude e que almeja a imortalidade através dos atos
heroicos que serão contados à posteridade. O drama da finitude humana é
tão intenso no herói, que este busca a realização de heroísmos para
vencer a morte através da lembrança destes atos pelos outros mortais, o
que o aproxima dos deuses. Quem assistiu ao filme Tróia (2004), ou mesmo
Alexandre (2004), verá esse discurso ser utilizado.
A Bíblia também trata, em momentos
diferentes, deste drama humano. No Antigo Testamento, por exemplo,
começa-se pelo Gênesis, onde os humanos não são imortais, pois comeram
somente o fruto da árvore do conhecimento e não o da árvore da vida, que
lhes daria a vida eterna. Portanto, a finitude humana é ontológica, ou
seja, somos humanos exatamente por sermos mortais, finitos, sendo a
imortalidade algo da condição de anjos, sendo dever humano aceitar sua
condição finita. No Novo Testamento, Jesus reafirma a nossa condição
finita, mas prometendo a vida eterna desde que a pessoa se aproxime de
Deus através da caridade, como expresso na Parábola do Bom Samaritano,
ou seja, a existência é finita, sendo nela que construímos nossa
infinitude, através de nossas ações na finitude. Claro que se podem
realizar discussões teológicas sobre esse tema, mas não é este objetivo
desta coluna.
A questão que as duas obras fundamentais
da cultura ocidental colocam é que somos finitos, e mesmo quando trazem
uma possibilidade de infinitude, esta advém da finitude, mostrando-nos,
de maneira metafórica, a necessidade de aceitarmos plenamente nossa
finitude, para daí pautarmos nossa existência.
A partir da metade do século XIX, de um
processo iniciado na renascença, a filosofia tende a refletir a finitude
humana de um ponto de vista não metafísico, ou seja, sem conceitos como
alma, Deus, ou mesmo, natureza humana. Neste aspecto, os denominados
existencialistas vão realizar essa reflexão ao verem o humano como um
ser vazio de sentido, sem pré-determinações, sendo o próprio humano o
responsável por projetar e significar sua existência. O fato de ser
finito, mortal, um ser-para-morte, nos termos de Martin Heidegger, é que
leva o humano a construir o seu sentido, pois o horizonte da
mortalidade é que faz o humano existir enquanto um humano. Mesmo os
existencialistas que admitem a continuidade da vida após a morte,
consideram que o reconhecimento da finitude e a construção da existência
é a maneira de realmente alcançá-la.
Aceitar a nossa condição humana de
finitude é que nos permite realmente construir nossa existência.
Enquanto fugimos da certeza da morte, tudo pode ser realizado algum dia,
enquanto a certeza da finitude da existência é que nos alimenta a
efetivamente construirmos nossa existência, a agirmos no mundo, a nos
relacionarmos com as pessoas.
Daí o drama de personagens imortais como
Louis e Connor MacLeod, pois a partir do momento que são imortais, não
são mais humanos, não tem mais a ânsia pela existência, exatamente por
esta ser infinita. Arwen enquanto elfa e, portanto, imortal, também
busca a mortalidade para estar com Aragorn, mas além de seu profundo
amor por ele, talvez exista uma busca de poder construir a si mesmo, ser
quem ela quer ser e lutar para isso, sendo a finitude, a mortalidade, a
única maneira.
Pense bem, amigo Leitor, se você fosse
imortal lutaria pelo que quer? Faria o possível para realizar aquilo que
almeja, ou simplesmente deixaria para o próximo dia, afinal, sendo
imortal sempre há um amanhã. Não é exatamente a dúvida de haver um
amanhã, que nos leva a aproveitar o hoje?
Fontes de Aprofundamento
A morte em Heidegger: horizonte de possibilidades para uma vida autêntica, Douglas Lopes Amaral
A visão de Heidegger e Camus sobre a morte
O que é o existencialismo, Luiz Damon Santos Moutinho
O que é o herói, Tiago de Lima Castro
Quem quer ser herói, Tiago de Lima Castro
A visão de Heidegger e Camus sobre a morte
O que é o existencialismo, Luiz Damon Santos Moutinho
O que é o herói, Tiago de Lima Castro
Quem quer ser herói, Tiago de Lima Castro
Publicado originalmente em: http://randomcast.com.br/nerdices-filosoficas-por-que-arwen-highlander-vampiros-e-outros-imortais-almejam-a-mortalidade/
© 2013 Tiago de Lima Castro
Comentários
Postar um comentário