Nerdices Filosóficas – Homem-Aranha, X-Men e a ética da espécie

Para compreender a coluna veja a página de explicação.

Autor: Tiago de Lima Castro
Vitrine: Valério Gamer



Ao assistir Homem-Aranha e X-Men, percebe-se que constantemente os personagens se questionam sua humanidade. Na da série animada do Homem-Aranha, dos anos 90, nos episódios 4 e 5 da segunda temporada, ele se questiona sobre o que está se tornando, já que o Dr. Connors percebeu que suas células continuam mudando, o que gera o questionamento por Peter se ele continua humano ou não.

Ele procura o prof. Xavier, que não pode ajudá-lo, pois não estuda o tipo de mutação que Peter vivencia. Ocorrem ótimos diálogos com o Fera, Dr. Hank McCoy, essa questão: se sou um mutante, ainda sou humano, é o fim condutor da trama. A aventura do episódio é que um cientista, que fora amigo de Hank, está querendo destruir todos os mutantes, baseando-se nas antigas pesquisas de seu antigo amigo, o Fera. É muito interessante que ele tem uma assistente que por ser mutante, almeja a destruição de si e dos outros para evitar o sofrimento, pelo preconceito dos outros, mas, principalmente, da dor de questionar-se se com a mutação, você é ou não humano.

Por mais que esses questionamentos pertençam à ficção nos dias de hoje, a possibilidade de manipulação genética poderia, em teoria, gerar novas espécies humanas levando a esta questão: Se tenho alguns genes modificados, ainda sou humano?

O filósofo contemporâneo Jürgen Habermas, nascido em 1929, membro da segunda geração da escola de Frankfurt, traz estas questões que não pertencem aos nossos dias, mas que talvez pertencerão, com os avanços da manipulação genética.

Vivemos em uma época pós-metafísica, ou seja, em que conceitos metafísicos como Deus, alma, liberdade, natureza humana, vida, entre outros; são conceitos que não tem como serem tratados, já que não são conceitos possíveis de serem pensados através de método científico. A ciência, como ainda se tende a compreendê-la, erige-se no século XIX como a única forma de conhecimento possível, considerando-se impossível responder a questões metafísicas com a mesma certeza que a “verdade” científica.

Houveram filósofos, no séc. XX, que buscaram outros caminhos a metafísica, mas em geral, considera-se impossível pensá-la, mesmo que uma série de discussões exija conceitos metafísicos. Um exemplo de conceito metafísico: ser humano. O que é o ser humano? A ciência pode estudar aspectos do ser humano, biológicos e psicológicos, mas não pode responder a pergunta: O que é o ser humano?
Outra questão é: O que é a vida? Eu posso descrever aquilo que intuitivamente consideramos como vida, mas não conseguimos definir e conceituar a vida.

O pensamento pós-metafísico, como Habermas o entende, é a busca de refletir problemas filosóficos buscando não se utilizar de conceitos metafísicos, o que impossibilitaria a reflexão.

Nascemos com nosso código genético organizado por métodos naturais. Quando vamos desenvolvendo-nos, passamos a um processo de auto-criação, já que com nossas escolhas vamos criando aquilo que somos num contínuo ganho de autonomia. O que Habermas questiona é: se nossos pais escolhessem nossos genes, conseguiríamos ser realmente autônomos? Será que conseguiríamos nos sentir como seres autônomos, já que nossos pais que escolheram os nossos genes e tudo aquilo que eles implicam? Não nos sentiríamos determinados pelas escolhas de nossos pais, já que não poderíamos modificar estes genes, ou modificar as conseqüências destes genes naquilo que somos? Poderíamos, também na reflexão de Habermas, entrar numa discussão metafísica, já que nós, hoje, nos identificamos com nosso corpo, ou seja, entendemos que somos o nosso corpo, agora, se nosso corpo foi determinado por escolhas genéticas de nossos pais, então questionaríamos se este corpo é realmente nosso, ou se somos realmente o corpo escolhido pelos nossos pais. Lembremos que Habermas não utiliza conceitos como alma, espírito, ou natureza humana, como somos pós-metafísicos.

Em uma situação onde os humanos podem manipular seus genes, qual o ponto em que continuamos humanos? Será que não viveríamos o drama do Homem-Aranha, do Fera e dos mutantes em geral mostrados em X-Men? Talvez sentíssemos como humanos, mas e os demais, ou seja, aqueles “normais” que não tem genes manipulados? Sentiriam que as pessoas com genes manipulados são mesmo humanas? Não poderíamos caminhar para um novo holocausto?

A última questão pode parecer absurda, mas pense: se em nossa época não podemos pensar a ética partindo de idéias metafísicas, como alma, Deus, liberdade, natureza humana, vida, entre outros; a única possibilidade é pensar a ética partindo da idéia que somos todos membros da espécie humana, o que não deixa de ser algo metafísico ainda. Com a manipulação genética, essa certeza pode ser abalada, então: Qual ponto de partida para pensarmos a ética? Os X-Men proporam essas questões: Se somos mutantes, somos, ou não, concretamente humanos:

Podemos não concordar com os caminhos da reflexão de Habermas, mas tais questões são pertinentes a nossa época, e a épocas vindouras talvez. Principalmente porque já vivemos momentos em que ao se dividir os seres humanos em “raças”, algumas “raças” consideram-se no direito de extirpar outras “raças”.

Fontes de Aprofundamento



© 2013 Tiago de Lima Castro

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