Nerdices Filosóficas – Hobbits e o epicurismo

Para compreender a coluna veja a página de explicação.

Nerdices Filosóficas
Revisão: Juan Villegas
Vitrine: Valério Gamer


Vamos discutir sobre o epicurismo, outra escola filosófica surgida no helenismo, sendo uma escola rival do estoicismo discutida na coluna O estoicismo da ordem Jedi, mas tendo o mesmo espírito da filosofia como exercícios espirituais, na expressão de Pierre Hadot.

Seu fundador, Epicuro (341-270 a.C.), criou uma escola que fora conhecida como Escola do Jardim, e a filosofia ali ensinada como Filosofia do Jardim. O epicurismo também tem como fim a felicidade (no gr. eudamonía) através do prazer (do gr. hedoné), sendo que a palavra hedonismo, nos dias de hoje, tem um sentido pejorativo devido à pintura feita por seus detratores. Essa visão tem-se modificado com as pesquisas filosóficas sobre o helenismo, o qual também já foi visto como um perigo de decadência da filosofia. 

Analisar o modo de vida dos hobbits nos ajuda a apreender a maneira como Epicuro e seus discípulos enxergavam o prazer.

Tolkien, no prólogo de The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring, nos diz que os hobbits: Têm ouvidos agudos e olhos perspicazes, e, embora tenham tendência a acumular gordura na barriga e a não se apressar desnecessariamente, são ligeiros e ágeis em seus movimentos (They are quick of hearing and sharp-eyed, and though they are inclined to be fat and do not hurry unnecessarily, they are nonetheless nimble and deft in their movements).

Isso nos mostra que o fato de serem barrigudinhos e tranquilos é uma escolha de vida. Essa tranqüilidade advém da própria maneira como eles encaram a vida, vivendo o momento e cultivando uma vida de contínuo prazer, sendo que este prazer é moderado. Por exemplo, lendo O Hobbit vamos perceber que eles fazem muitas refeições ao longo do dia, cultivando continuamente o prazer de comer. Se fizessem poucas refeições comendo excessivamente não sentiriam prazer, sentiriam a dor da congestão, entre outras possibilidades. A única forma de manter o prazer de comer continuamente é realizando várias refeições ao longo do dia, pois esse comedimento nos permite ter o prazer de comer continuamente, sem a dor advinda do excesso do próprio prazer de comer.

A vida dos hobbits é pautada nesse equilíbrio de buscar o prazer, mas tendo nele mesmo a referência de evitar o excesso para não gerar dor, sendo esse controle de si que possibilita toda a tranqüilidade de sua vida.

O prazer que Epicuro busca não é o prazer exagerado do hedonismo compreendeu-se posteriormente, mas é o prazer na medida certa através do controle de si, sendo esse equilíbrio entre a falta e o excesso que os gregos chamavam de sophrosýne. O interessante que é exatamente o conhecimento do momento em que o prazer torna-se dor, através das próprias sensações, permite a vivência de um contínuo prazer, gerando a ausência de dor (em gr. aponía), que permite o estado de ataraxía, palavra grega que pode ser traduzida como tranquilidade.

O hedonismo de Epicuro, portanto, não é o prazer em excesso, mas o prazer advindo da sophrosyné, da moderação, permitindo a aponía, a ausência de dor, possibilitando a vida em ataraxía, tranquilidade, sendo esta a ponte para a felicidade (no gr. eudaimonia). O prazer não é concebido somente da alimentação, que utilizamos como exemplo, mas a todos os aspectos da vida como hábitos, alimentação e etc.

Os hobbits apresentam esse equilíbrio no prazer em todos os aspectos de sua vida, na sua relação com a tecnologia, com a produção de alimentos e tudo mais, daí serem ótimos exemplos para compreendermos a proposta de Epicuro.

Pierre Hadot é um ótimo autor para compreender o modo de filosofar no helenismo. Os programas Hora da Coruja indicados abaixo ajudam a entender o Epicuro.

Observe o jeito de ser dos hobbits, como eles são tranqüilos e vivem bem, mas sem exageros. Talvez nossa dificuldade com o prazer em nossos, advém da busca de sua completa negação ou de sua busca em excesso, o que não gera conseqüências somente em nós mesmo, daí temos muito a aprender com os hobbits e com Epicuro.

Fontes para aprofundamento

Elogio da filosofia antiga, Pierre Hadot
Elogio de Sócrates, Pierre Hadot
Hora da Coruja: Tetrapharmakon de Epicuro 1
Hora da Coruja: Tetrapharmakon de Epicuro 2
Introdução à história da filosofia: As escolas helenísticas, Marilena Chauí
The Hobbit, J. R. R. Tolkien
The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring, J. R. R. Tolkien
Vocabulário grego da filosofia, Ivan Gobry


© 2013 Tiago de Lima Castro

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