Nerdices Filosóficas – 300 de Esparta e a filosofia política
Na figura acima, vemos a cena em que Lêonidas chuta o representante dos persas, jogando-o no abismo, gritando: Isso é Esparta! (This is Sparta!). Veja que neste momento Leônidas não exalta a si mesmo enquanto Rei, mas coloca-se como a manifestação da própria vontade espartana. Neste momento ele não é a pessoa Leônidas, também não o rei Leônidas, mas a manifestação da própria Esparta. Ao ver o filme, ou ler a HQ, perceba os olhares à Leônidas antes do chute.
Somos modernos, marcados pelo
conceito de subjetividade, onde nos vemos como indivíduos que vivem em
uma cidade, sendo a cidade um local em que simplesmente estamos. Não
conseguimos pensar em nós mesmos como parte da cidade, ou mesmo do país
em que vivemos, mas nos enxergamos como indivíduos imersos em nossa
própria subjetividade, que vivem em algum local.
Os gregos, como os antigos em geral,
percebiam-se como partes da cidade, da polis. É um momento onde o ser da
pessoa, aquilo que ela realmente é, está plenamente ligada à sua
cidade, vista não apenas como um lugar em que se está, mas como parte de
si mesmo, já que é na cidade onde a pessoa desenvolve e exerce suas
virtudes (do gr. areté). Sem a cidade eu nada sou, pois é na cidade que efetivamente sou.
Aristóteles dizia que o homem é um animal racional (zôon logikón) e um animal político (zôon politikòn).
Ele quis dizer que o homem é um animal que tem na razão sua essência,
mas como animal político, sua essência é também o convívio com outros
cidadãos da polis, da cidade. A cidade é vista como essencial ao humano
e, portanto, a convivência social é que permite o humano realmente ser
humano. Não há um sacrifício de nossa individualidade, ou subjetividade,
para viver em sociedade. Embora apenas enquanto cidadão eu possa
realmente ser humano, já que a sociedade me permite desenvolver a
excelência de minhas virtudes (areté).O grego considera que só há
virtude quando ela se realiza em atos, ou seja, só há virtude, de
maneira concreta, se a pessoa exercê-la, daí ser a cidade intrínseca ao
seu ser, pois é na cidade que a exerço.
Esta relação entre o indivíduo e a cidade
perpassa toda cultura grega, desde a Ilíada e a Odisseia; na Apologia
de Sócrates, onde a relação entre Sócrates e a cidade é um dos motivos
que o leva a tomar cicuta; nas obras de Platão; Aristóteles; nas
comédias e tragédias; e em toda produção cultural grega.
Este panorama começará a mudar no Helenismo, produção cultural iniciada durante o império de Alexandre Magno, que trará a ideia de que a polis, a cidade, é o próprio cosmos, o todo. Como as cidades deixam de ser independentes, a cidadania da pessoa perpassa todo o império e sendo um império heterogêneo culturalmente, o indivíduo deixa de sentir-se parte de uma polis, levando a pessoa a deixar de buscar na cidade o seu ser, buscando agora em sua alma, em sua interioridade. Isso muda completamente os rumos do pensamento. Este processo tem continuidade no Império Romano e tem no Cristianismo oficializado o seu acabamento, que desencadeará na modernidade baseada na subjetividade que vivenciamos.
Voltando a filme, ou graphic novel, “Os
300 de Esparta”, podemos ver ao longo da obra essa relação da pessoa a
sua polis, a qual não vivenciamos mais. Tente revê-la não prestando
atenção somente na ação e na narrativa, mas em como ali uma pessoa é
quando torna-se o canal para a própria vontade de Esparta.
Necessitamos compreender esse tipo de
relação intrínseca entre a pessoa e a cidade para compreender as
questões pertinentes à Israel, por exemplo. As disputas por territórios
no Oriente Médio, além de interesses econômicos, é marcada por esta
compreensão de si mesmo como parte da cidade. No caso de Israel, já que
os judeus chamaram a si mesmos de povo de Israel, daí passados séculos
de sua diáspora, ainda almejarem retornar à Israel. O mesmo pode ser
compreendido por outros conflitos dessa região, e de outras partes do
mundo. Apreender a possibilidade dessa relação é uma porta para o
diálogo, tão necessário às disputas políticas que ainda existem, e ao
convívio real com os diferentes de nós.
Fontes para aprofundamento
Apologia de Sócrates, Platão
As origens do pensamento grego, Jean-Pierre Vernant
Ética a Nicômaco, Aristóteles
Os 300 de Esparta, Frank Miller e Lynn Varley
As origens do pensamento grego, Jean-Pierre Vernant
Ética a Nicômaco, Aristóteles
Os 300 de Esparta, Frank Miller e Lynn Varley
Publicado originalmente em: http://randomcast.com.br/nerdices-filosoficas-300-de-esparta-e-a-filosofia-politica/
© 2013 Tiago de Lima Castro
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