Nerdices Filosóficas – Ética e Moral: Como surgem no Entretenimento? Parte 2
Autor: Tiago de Lima Castro Revisão: Paulo V. Milreu Vitrine: Valério Gamer |
O texto anterior
abordou os conceitos de ética e moral enquanto hoje buscamos trazer
algumas hipóteses sobre o como e o porquê destas questões emergirem em
obras de entretenimento.
Entretenimento vem de entreter e
significa reter a atenção em meio a outras possibilidades, por exemplo,
quando uma criança está numa sala recheada de brinquedos, mas mantém-se
brincando com outra criança, ela está entretida, ou seja, está focada em
algo específico dentre outras possibilidades. Um adulto lendo Tolkien,
ou James Joyce, ou Paulo Coelho, ou Guimarães Rosa, ou qualquer outro
autor, está entretido pelo livro, pois poderia se focar em outra coisa
qualquer. De maneira que qualquer coisa que fixe nossa atenção, do som
da chuva a uma obra de arte, pode ser considerado como entretenimento.
Porém, entretenimento é uma palavra
controvertida na filosofia, por uma via de interpretação calcada na
Escola de Frankfurt, onde ao contrário de arte que poderia ser uma
experiência de ruptura com o sistema, o entretenimento desviaria o foco
da massa dos problemas reais para realimentar o sistema por ser uma
forma de alienação, havendo, portanto, uma dicotomia entre a arte a
indústria cultural que gera entretenimento.
A Escola de Frankfurt é interessantíssima
e traz questões importantes a serem refletidas, mas dizer que tudo
produzido com nome do entretenimento é necessariamente acrítico e
alienante pode ser um pouco arriscado. Cada caso é um caso, mas ao
pensar em obras como V de Vingança,
por exemplo, um quadrinho produzido por uma indústria de entretenimento
e chamá-lo de reacionário e acrítico é um pouco de exagero. O problema
talvez seja generalizar dizendo que tudo que é produzido pela chamada
indústria de entretenimento seja acrítico e isso é um tanto quanto
perigoso.
Voltando às questões ético-morais, o
artigo anterior propôs que a ancestralidade destas reflexões provém do
antigo conflito que é conviver com os outros. Estas questões, como diria
o filósofo Vladimir Jankélévitch
(1903-1985), provavelmente sejam anteriores a questões mais abstratas
como ser, destino, o porquê das coisas, entre outros. Problemas
ético-morais emergem de quando em quando, sendo estes problemas
intrínsecos a toda narrativa, seja cinematográfica, teatral, literária,
de novelas, de quadrinhos, de jogos digitais, entre outros.
A existência de personagens diversos
vivenciando situações conjuntamente, naturalmente leva a problemas
ético-morais, como a própria convivência humana o faz. Entreter-se com
alguma obra não deixa de ser, portanto, um mergulho na complexidade das
relações humanas. Quem ao deparar-se com diferentes narrativas não se
perguntou: O que o personagem fará? Por que ele fez isso? Como ele
decidiu isso? Por que tal decisão?
Pode-se ver como uma mera banalidade e
uma fuga do mundo, mas talvez seja uma busca por aquilo que é mais banal
e corriqueiro: O que farei agora? Por que fiz isto? O que decidirei?
Como decidirei? Por que eu decidi isso ao invés daquilo?
A própria ânsia por respostas a estes
questionamentos ético-morais levam muitos ao entretenimento com
narrativas diversas, da mesma maneira que os antigos o faziam através do
mito, por exemplo.
É possível pensar que a maneira como se
vivencia o entretenimento seja possibilitador de uma fuga do mundo,
quando se utiliza o entretenimento para somente copiar ações e decisões
transferindo-as à nossa existência. Porém, se a ânsia do entretenimento
for uma ânsia destas respostas, estas obras podem ser utilizadas como
ponto de partida de uma reflexão sobre estas perguntas no próprio
contato e simpatia com a obra, mesmo sem utilizar-se diretamente da
tradição filosófica.
Esse processo pode ocorrer pela via
negativa, no sentido de se incomodar com as ações, escolhas ou motivos
de um personagem, onde faríamos diferente – apesar de ser fácil dizer
que faríamos isso ou aquilo, o problema é efetivamente fazê-lo –, sendo o
incômodo e o espanto a fonte de um processo de reflexão. Também
negativo, quando nos identificamos com a ação do personagem no momento
em que ele a realiza, mas em seguida passamos a discordar dessa escolha e
o problema de torna: Por que eu me identifiquei com ele naquela ação
terrível?
Talvez por rodear aqueles problemas
essenciais, da convivência com o outro e de como conviver
comunitariamente, o entretenimento pode ser o início de reflexões
ético-morais exatamente por ser esse um problema fundamental a
existência.
Fontes de aprofundamento
A Escola de Frankfurt – Luzes e Sombras do Iluminismo, Olgária C. F. Mattos
Curso de filosofia moral, Vladimir Jankélévitch
O paradoxo da moral, Vladimir Jankélévitch
© 2013 Tiago de Lima Castro
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