Nerdices Filosóficas – Ética e Moral: Como surgem no Entretenimento? Parte 1
Na escrita do texto que sairá na próxima
semana ficou evidente que há necessidade de discutir o conceito de moral
e ética para evitar confusões de compreensão. Sendo uma oportunidade de
perguntar porque questões ético-morais aparecem em obras de
entretenimento como cinema, livros, quadrinhos e mesmo jogos digitais.
A questão ético-moral surge no momento em
que as pessoas passam a conviver entre si. O alvorecer da humanidade é o
próprio nascimento desse tipo de reflexão. Cada pessoa tem seus
anseios, sonhos, desejos e aspirações, mas ele necessita conviver com
outras pessoas. Porém, como cada pessoa têm seus próprios anseios e
desejos, como conviver com diferentes anseios e desejos num mesmo grupo?
Criando costumes e modos de se viver conjuntamente, o que sempre gera
questões e reflexões, daí a ancestralidade de pensar e repensar sobre
modos de se viver comunitariamente.
A dificuldade é a confusão entre ética e
moral, sendo ética uma palavra em moda, enquanto moral é pejorativa, e
moralista, praticamente um xingamento nos dias de hoje. Daí necessita-se
compreender o sentido filosófico destes conceitos, principalmente
quando surgem questões como aborto e outros temas polêmicos em que a
falta de clareza no conceito de ética pode tornar-se uma armadilha na
argumentação.
A ética tem origem grega, vinda de êthos
que tinha o sentido se uma sabedoria sobre os usos e costumes, a melhor
maneira de se habitar o local de convivência. Houve influência também
do éthos, que significa o que é relativo aos costumes. Dessa
maneira, a ética surge como uma reflexão sobre a melhor maneira de se
viver na polis, na cidade-estado grega. Ela surge intrinsecamente
ligada à política, pois ambas visam o bem comum de todos, mas sendo a
reflexão política sobre as instituições em relação aos habitantes da polis, criando leis, por exemplo, e a ética visando o melhor modo das pessoas habitarem essa polis.
É importante frisar que não havia entre os gregos uma distinção tão
nítida entre espaço público e privado como em nossos dias. Essa ligação
foi relativizada na modernidade, como vemos expressa em Maquiavel.
Após o império de Alexandre Magno, a reflexão sobre a melhor maneira de habitar a polis já não existe, já que a polis é o próprio império, o próprio kósmos, ficando a cargo deste estabelecer a melhor maneira de habitar a polis. As escolas filosóficas do helenismo
já realizaram a reflexão ética do ponto de vista da interioridade e
intimidade da pessoa, sendo aqui um ensaio do conceito de indivíduo que
vivenciamos hoje.
Quando Roma domina parte do império de Alexandre houve uma absorção da cultura helênica, inclusive da reflexão filosófica. Cícero
(106 a.C. – 43 a.C.) realizou uma romanização da filosofia com tradução
de obras e criando termos latinos para os conceitos filosóficos. Ele
criará o conceito moral, partindo de mores no latim, termo também
relativo aos costumes, mas refletindo a moral do ponto de vista do
indivíduo em sua intimidade e interioridade. Para ficar mais claro, a
moral não irá pensar o conceito de justiça, que é dado no Senado, mas
refletirá os processos do indivíduo adequar-se à justiça e como ele pode
refletir para tomar suas decisões íntimas com as pessoas mais próximas.
Ainda são questões de convivência, mas aqui já há uma diferenciação de
espaço público e privado, pertencendo a moral ao espaço privado.
Na Idade Média, o Ocidente adotará os
termos latinos, e sua significação específica, enquanto no Oriente, os
gregos ainda preferem o grego para filosofar; o que já irá criar certa
ambiguidade e confusão entre os termos moral e ética. Após o
renascimento, alguns povos preferirão os termos gregos, como os alemães,
enquanto os franceses, por exemplo, preferiram os termos latinos, por
motivações históricas.
O termo moralismo, de onde vem moralista, foi utilizado por Fitche (1776-1814) para falar de filósofos que tem na moral a explicação da realidade. Corrente iniciada por Montaigne
(1533-1592), no qual a reflexão se dá numa desconfiança pelas
motivações individuas das pessoas. Ao criticar a político não o faço
partindo do sistema político, mas das pessoas concretas. Como Nietzsche (1844-1900)
faz uma crítica à moral com sua linguagem literária usando do humor e
de uma ácida ironia, as palavras moralistas e moralismo tornaram-se
pejorativas no uso cotidiano.
Nos dias de hoje existe quem prefira
manter a diferença entre ética e moral onde a moral é a reflexão sobre
os costumes do ponto de vista de nossa intimidade, e a ética para a
sociedade como um todo. No liberalismo tende-se a trabalhar com essa
concepção, já que um de seus fundamentos é a separação entre o público e
o privado. Daí serem comuns ditos como: “em casa as coisas funcionam de
tal maneira”. Quando surgem questões polêmicas na mídia e na política,
tende-se a esse uso.
Há quem prefira trabalhar a moral como o
costume estabelecido por uma sociedade, por um grupo e que a ética é a
reflexão sobre essa moral, sendo, portanto, a moral o que é estabelecido
e vigente; a ética o momento de reflexão. Nesse contexto, um indivíduo
pode ser imoral por ser ético, como por exemplo: não entregar judeus na
Alemanha fascista era imoral, mas ético em sua escolha; enquanto um que
os entregava cumpria a moral vigente, mas era antiético em sua ação.
Pode-se também tratar os dois como
sinônimos simplesmente, sendo indiferente o uso de um ou de outro. É
importante verificar em textos que utilizam um dos termos, qual a
significação, pois a escolha de algumas das propostas acima não é
acidental, mas sim um posicionamento do autor, que precisa ser
verificada em sua própria escrita.
Na semana que vem, continuaremos a
discussão focando no entretenimento. Sugiro ao amigo Leitor, que utilize
este espaço como zona de debate. Eu que estou escrevendo a coluna não
sou um sábio e, portanto, pode discutir algum conceito expresso, ou
mesmo, podemos gerar novos conhecimentos a partir desse debate. O espaço
está aberto!
Fontes de aprofundamento
- Dicionário de filosofia, Nicola Abbagnano
- Ética, Adolfo Sánchez Vázquez
- Felicidade: dos filósofos pré-socráticos aos contemporâneos, Franklin Leopoldo e Silva
- Sobre as diferenças entre éthos com epsílon e êthos com eta, Miguel Spinelli
© 2013 Tiago de Lima Castro
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