Nerdices Filosóficas – Ética e Moral: Como surgem no Entretenimento? Parte 1

Autor: Tiago de Lima Castro
Revisão: Paulo V. Milreu
Vitrine: Valério Gamer

Na escrita do texto que sairá na próxima semana ficou evidente que há necessidade de discutir o conceito de moral e ética para evitar confusões de compreensão. Sendo uma oportunidade de perguntar porque questões ético-morais aparecem em obras de entretenimento como cinema, livros, quadrinhos e mesmo jogos digitais.

A questão ético-moral surge no momento em que as pessoas passam a conviver entre si. O alvorecer da humanidade é o próprio nascimento desse tipo de reflexão. Cada pessoa tem seus anseios, sonhos, desejos e aspirações, mas ele necessita conviver com outras pessoas. Porém, como cada pessoa têm seus próprios anseios e desejos, como conviver com diferentes anseios e desejos num mesmo grupo? Criando costumes e modos de se viver conjuntamente, o que sempre gera questões e reflexões, daí a ancestralidade de pensar e repensar sobre modos de se viver comunitariamente.

A dificuldade é a confusão entre ética e moral, sendo ética uma palavra em moda, enquanto moral é pejorativa, e moralista, praticamente um xingamento nos dias de hoje. Daí necessita-se compreender o sentido filosófico destes conceitos, principalmente quando surgem questões como aborto e outros temas polêmicos em que a falta de clareza no conceito de ética pode tornar-se uma armadilha na argumentação.

A ética tem origem grega, vinda de êthos que tinha o sentido se uma sabedoria sobre os usos e costumes, a melhor maneira de se habitar o local de convivência. Houve influência também do éthos, que significa o que é relativo aos costumes. Dessa maneira, a ética surge como uma reflexão sobre a melhor maneira de se viver na polis, na cidade-estado grega. Ela surge intrinsecamente ligada à política, pois ambas visam o bem comum de todos, mas sendo a reflexão política sobre as instituições em relação aos habitantes da polis, criando leis, por exemplo, e a ética visando o melhor modo das pessoas habitarem essa polis. É importante frisar que não havia entre os gregos uma distinção tão nítida entre espaço público e privado como em nossos dias. Essa ligação foi relativizada na modernidade, como vemos expressa em Maquiavel.

Após o império de Alexandre Magno, a reflexão sobre a melhor maneira de habitar a polis já não existe, já que a polis é o próprio império, o próprio kósmos, ficando a cargo deste estabelecer a melhor maneira de habitar a polis. As escolas filosóficas do helenismo já realizaram a reflexão ética do ponto de vista da interioridade e intimidade da pessoa, sendo aqui um ensaio do conceito de indivíduo que vivenciamos hoje.

Quando Roma domina parte do império de Alexandre houve uma absorção da cultura helênica, inclusive da reflexão filosófica. Cícero (106 a.C. – 43 a.C.) realizou uma romanização da filosofia com tradução de obras e criando termos latinos para os conceitos filosóficos. Ele criará o conceito moral, partindo de mores no latim, termo também relativo aos costumes, mas refletindo a moral do ponto de vista do indivíduo em sua intimidade e interioridade. Para ficar mais claro, a moral não irá pensar o conceito de justiça, que é dado no Senado, mas refletirá os processos do indivíduo adequar-se à justiça e como ele pode refletir para tomar suas decisões íntimas com as pessoas mais próximas. Ainda são questões de convivência, mas aqui já há uma diferenciação de espaço público e privado, pertencendo a moral ao espaço privado.

Na Idade Média, o Ocidente adotará os termos latinos, e sua significação específica, enquanto no Oriente, os gregos ainda preferem o grego para filosofar; o que já irá criar certa ambiguidade e confusão entre os termos moral e ética. Após o renascimento, alguns povos preferirão os termos gregos, como os alemães, enquanto os franceses, por exemplo, preferiram os termos latinos, por motivações históricas.

O termo moralismo, de onde vem moralista, foi utilizado por Fitche (1776-1814) para falar de filósofos que tem na moral a explicação da realidade. Corrente iniciada por Montaigne (1533-1592), no qual a reflexão se dá numa desconfiança pelas motivações individuas das pessoas. Ao criticar a político não o faço partindo do sistema político, mas das pessoas concretas. Como Nietzsche (1844-1900) faz uma crítica à moral com sua linguagem literária usando do humor e de uma ácida ironia, as palavras moralistas e moralismo tornaram-se pejorativas no uso cotidiano.

Nos dias de hoje existe quem prefira manter a diferença entre ética e moral onde a moral é a reflexão sobre os costumes do ponto de vista de nossa intimidade, e a ética para a sociedade como um todo. No liberalismo tende-se a trabalhar com essa concepção, já que um de seus fundamentos é a separação entre o público e o privado. Daí serem comuns ditos como: “em casa as coisas funcionam de tal maneira”. Quando surgem questões polêmicas na mídia e na política, tende-se a esse uso.

Há quem prefira trabalhar a moral como o costume estabelecido por uma sociedade, por um grupo e que a ética é a reflexão sobre essa moral, sendo, portanto, a moral o que é estabelecido e vigente; a ética o momento de reflexão. Nesse contexto, um indivíduo pode ser imoral por ser ético, como por exemplo: não entregar judeus na Alemanha fascista era imoral, mas ético em sua escolha; enquanto um que os entregava cumpria a moral vigente, mas era antiético em sua ação.

Pode-se também tratar os dois como sinônimos simplesmente, sendo indiferente o uso de um ou de outro. É importante verificar em textos que utilizam um dos termos, qual a significação, pois a escolha de algumas das propostas acima não é acidental, mas sim um posicionamento do autor, que precisa ser verificada em sua própria escrita.

Na semana que vem, continuaremos a discussão focando no entretenimento. Sugiro ao amigo Leitor, que utilize este espaço como zona de debate. Eu que estou escrevendo a coluna não sou um sábio e, portanto, pode discutir algum conceito expresso, ou mesmo, podemos gerar novos conhecimentos a partir desse debate. O espaço está aberto!

Fontes de aprofundamento

Publicado originalmente em: http://randomcast.com.br/nerdices-filosoficas-etica-e-moral-como-surgem-no-entretenimento-parte-1/

© 2013 Tiago de Lima Castro

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