Nerdices Filosóficas – Cinema, Séries, RPG e Games: a experiência da catarse
Autor: Tiago de Lima Castro
Revisão: Paulo V. Milreu
Vitrine: Valério Gamer
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Quem nunca assistiu a uma peça de teatro,
ou filme, ou mesmo série; e compartilharam sentimentos, dramas,
anseios, amores, entre outros, com essa obra? Quem nunca simpatizou de
tal maneira com estas emoções ao ponto de senti-las em si mesmo? Porém,
após assistir a essa peça, filme ou série, sentiu-se aliviado de um peso
do qual não se sabe a origem; um êxtase, uma mistura de calma e alegria
inexplicáveis? Como em filmes em que você chora com o personagem, mas
sente-se bem ao final do drama mesmo com todas as situações do filme.
Essa é a experiência da catarse.
A catarse é uma experiência possível de
ser vivida, mas como beira o limite entre o dizível e do indizível,
dificulta a sua expressão em palavras. Contudo, um texto de caráter
poético poderia levar o leitor a simpatizar com a experiência da
catarse, para que este a vivencia. Mas, este texto não tem a pretensão
poética de extasiar o leitor. Porém, perceber a dificuldade de expressar
a experiência da catarse mostra que ela não participa efetivamente do lógos, da razão, mas sim do páthos,
termo grego normalmente traduzido por paixões, mas que se refere não ao
aspecto racional do humano, mas as suas emoções, já que o páthos pode ser compreendido como tudo aquilo que nos afeta.
A tragédia fora um dos gêneros literários
gregos, como a epopéia e a comédia, sendo representado no teatro a
maneira como os gregos o praticavam. O teatro grego não era somente um
entretenimento, mas estava inserido no projeto de formação do humano
dentro da cidade. A própria tragédia tem origem em ritos purificadores
de Dionísio.
Aristóteles (384a.C.-322a.C.), o filósofo de Estagira, analisou em sua obra Poética a tragédia grega. A tragédia é baseada na mímesis (do
gr.), na imitação das ações humanas, principalmente do herói, mas
imitadas de um ponto de vista universal. Em uma tragédia sobre uma
mulher traída não se busca imitar as ações de uma pessoa específica, mas
representar a totalidade e universalidade de atos e emoções de uma
mulher traída. No teatro trágico não se representa uma pessoa
específica, mas comportamentos e emoções universais compartilhadas por
todos os humanos, mesmo que não sejam emoções ou comportamentos tão
evidentes no cotidiano.
O fato de representar emoções universais
do humano faz com que as pessoas que a assistem vivenciem estas emoções
em si mesmo, sendo isso a catarse (do gr. kathársis) uma
purificação destas emoções, pois como a pessoa vivencia estas emoções ao
simpatizar-se com a tragédia, numa experiência de páthos, emoção, e não de lógos,
razão; expurgam-se estas emoções, daí ser a tragédia um meio educativo e
formativo, pois ao expurgar-se das emoções mais trevosas de nossa
psique, de nossa alma, esta se purifica destes por não precisar
vivenciá-las efetivamente. Por isso, Aristóteles associa a tragédia com
os ritos de purificação de Dionísio.
Não será essa experiência de kathársis
vivenciada no cinema ao simpatizar-se com o filme, principalmente nos
momentos de tristeza e ao mostrar os aspectos mais vis de nossa alma, de
nossa psique, ao ponto de expurgá-los, fazendo com que a pessoa sinta
esse êxtase, essa purificação? O mesmo estranhamento pela catarse ao
assistir a peça Medeia de Eurípides não se sente ao ver um drama
cinematográfico de nosso tempo? Quantos gêneros cinematográficos não
levam a este experiência de purificação a semelhança da tragédia grega?
Mesmo séries podem ter esse efeito.
Talvez você tenha estranhado amigo Leitor, a presença de games
no título da coluna. Por que o alívio ao jogar jogos violentos,
aventuras épicas, destruir o grande vilão? Por que jogos digitais são
tão relaxantes a tantos? Pode-se pensar que os jogos digitais colocam o
jogador para vivenciar aquela experiência, afetando-o através do páthos, de maneira que o vivenciar estes sentimentos durante o jogo, expurgue-se e purifique-se neles.
O próprio RPG
pode ter um aspecto de catarse, pois como é um jogo de interpretação,
os jogadores, a semelhança dos atores, ao sentirem as emoções de seus
personagens purifique-as de si mesmo.
Na área de psicanálise e psicologia se
pesquisa a catarse, mas nem sempre próxima à maneira como Aristóteles a
tratou. Mas é importante conhecer a sua reflexão sobre a tragédia não
somente por ser um autor importante na filosofia, pois pode ser uma
chave de compreensão do cinema em nossos dias. Mesmo quando se reflete
sobre jogos digitais serem ou não uma forma de arte, a ideia de catarse
também pode ser uma chave de interpretação interessante. Não há
pretensão de esgotar-se o assunto, mas de provocar a curiosidade para
seu aprofundamento nas fontes indicadas.
Fontes de aprofundamento
A tragédia clássica, Portal Grécia Antiga
Bretch e Aristóteles, Mário Fernando Bolognesi
Melodrama: as estratégias trágicas da emoção na modernidade, Cláudia M. Braga
História da Estética, Raymond Bayer
Poética, Aristóteles
Sobre a catarse na tragédia grega, Izabela Bocayuva
Vocabulário grego da filosofia, Ivan Gobry
Bretch e Aristóteles, Mário Fernando Bolognesi
Melodrama: as estratégias trágicas da emoção na modernidade, Cláudia M. Braga
História da Estética, Raymond Bayer
Poética, Aristóteles
Sobre a catarse na tragédia grega, Izabela Bocayuva
Vocabulário grego da filosofia, Ivan Gobry
Publicado originalmente em: http://randomcast.com.br/nerdices-filosoficas-cinema-series-rpg-e-games-a-experiencia-da-catarse
© 2013 Tiago de Lima Castro
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