Final Cut – Ladies and Gentlemen
O filme húngaro Final Cut – Ladies and Gentlemen
(Final Cut: Hölgyeim és uraim) foi lançando em 2012 no festival de
Cannes, dirigido por György Pálfi, tendo o roteiro assinado pelo mesmo e
Zsófia Ruttkay. Porém, este não é um filme tradicional realizado
através da filmagem e produção das cenas descritas no roteiro e montadas
ao final para assistirmos. Este filme é feito através da montagem de
cenas de toda história do cinema, dos irmãos Lumière à Avatar.
Num primeiro momento, essa descrição pode
parecer que seja um filme hermético voltado a eruditos conhecedores do
cinema, entretanto, a montagem de cenas de diversos filmes é tão bem
realizada que nos captura emocionalmente logo nos primeiros segundos. O
filme demonstra como a edição e montagem é um dos grandes responsáveis
pela nossa experiência diante de uma obra cinematográfica. Além das
cenas de diversos filmes, a montagem também abarca diversas trilhas
sonoras deslocadas de seus filmes originais e organizadas visando à
narrativa desta obra.
Você deve estar se perguntando: Afinal,
que estória é essa de misturar cenas de diferentes filmes para contar
uma história? E que estória pode ser contada dessa maneira maluca?
É uma história de amor com desdobramentos
não tão previsíveis quando parecem à primeira vista. Contudo, a obra
narra parte das diversas cenas, dos diversos amores e situações que
apresentam, para contar o movimento do amor: do momento em que o casal
se apaixona ao início do amor, e a tudo em que consiste um
relacionamento amoroso, inclusive os seus percalços… É como se
vislumbrássemos todo o percurso do amor seguido por um casal, o último
Homem e a última Mulher, não no sentido de não haverem outros humanos
além destes, mas de seu amor representar cada casal, cada romance, cada
ciúme, cada entrega…
O uso de cenas advindas de múltiplas
obras ao longo da história do cinema nos leva a pensar como o amor é
universal, como as relações amorosas em suas alegrias, inseguranças e
tristezas são essencialmente similares não obstante únicas. Da mesma
forma que a paixão, o amor, o relacionamento, e tudo em que ele implica,
são experiências universais no gênero humano, não deixam de ser únicas a
cada casal e a cada pessoa de um casal. O uno e o múltiplo não se
excluem em nossa existência e o amor entre um casal não escapa dessa
paradoxal multiplicidade de sentimentos e vivências, porém presentes a
todo o gênero humano simultaneamente. Se o filme buscasse tratar deste
paradoxo das relações amorosas através do processo conhecido de
contratar atores, produzir e gravar temas montado-as ao final, o filme
pareceria discutir uma estória de amor específica, e não a história de
amor em si mesma.
A experiência de assistir esse filme nos
leva a refletir sobre o que trata o cinema afinal? Será que cinema trata
de estórias específicas ou falam de algo mais?
Na Antiguidade, o filósofo Aristóteles
fez uma importante reflexão sobre o teatro grego e demonstra que
diferente da ciência histórica que conta casos específicos de um
determinado local geográfico e um tempo específico; o teatro aborda o
universal, ou seja, aborda a experiência humana em si mesma. Enquanto um
historiador fala de Odisseu como uma pessoa específica pertencente a um
local e tempo histórico, o teatro, principalmente a tragédia, ao tratar
do herói Odisseu não trata dos fatos específicos da pessoa Odisseu, mas
fala do herói em seu aspecto universal ao gênero humano, de maneira que
discute não um fato específico da vida de Odisseu, mas o que é ser
herói através do personagem Odisseu. Dessa maneira, o teatro grego trata
de temas universais ao gênero humano através de personagens
específicos. O texto não objetiva aprofundar o pensamento aristotélico,
mas apresentá-lo resumidamente para discutir continuar a discutir o
filme.
Será que quando vemos uma estória de amor
no cinema é efetivamente uma estória específica, ou será que essa
estória visa à experiência de amor do gênero humano? Perceba que quando
assistimos a um filme, nos identificamos com algumas situações, chegando
a viver interiormente aquilo que os personagens vivenciam na tela. A
semelhança do teatro grego, vivenciamos uma catarse em muitos filmes
exatamente por estes apontarem a elementos universais e essenciais a
nossa condição humana.
Neste filme, ao tratar de uma estória de
amor através de múltiplas estórias já contadas, mas agora recriadas
através da técnica da montagem, passamos a perceber o quanto o cinema
também trata do universal. Há um determinado em que a obra mostra
possibilidades diferentes de uma estória de amor, nos levando a
vivenciar uma catarse ao identificarmo-nos com ambas as possibilidades
ao consultar nossa memória. Não irei contar como o filme faz isso, você
terá que ter essa experiência por si próprio, e talvez verá que já as
experienciou…
Não pense que este seja um filme hermético, mas busque assisti-lo para
experienciar uma belíssima estória de amor que remete as nossas próprias
experiências amorosas.
Publicado originalmente em: http://supernovo.net/oscinefilos/final-cut-ladies-and-gentlemen/
© 2014 Tiago de Lima Castro
Comentários
Postar um comentário