Nerdices Filosóficas - Game of Thrones e Maquiavel
Para compreender a coluna veja a página de explicação.
Autor: Tiago de Lima Castro
Revisão: Paulo V. Milreu
Vitrine: Valério Gamer
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Uma das virtudes da série de livros e televisiva Game of Thrones é mostrar a política enquanto um jogo de interesses, onde o que se pensa do indivíduo pode ser mais importante no encadeamento de eventos do que o que ele realmente é. Nela, vemos o jogo político como calcado em aparências espúrias, acordos secretos e estratégias complexas sempre visando algum fim, o qual não é percebido com facilidade na maioria das vezes.
Ned Stark morreu exatamente por não conseguir entrar neste jogo
político, agindo através dos valores da verdade, da ética e da honra. Já
a sobrevivência dos membros do conselho a tantos reis é o fruto de
passarem por cima da ética manipulando as situações.
Vemos no episódio em que Joffrey é atacado pelo povo de Porto Real o
quanto é perigoso para o governante ser odiado, enquanto Margaery Tyrell
vai tornando-se cada vez mais forte ao ser amada pelo povo.
Na Batalha de Blackwater, o rei Joffrey falha enquanto governante,
cabendo a Tyrion Lannister comandar e inspirar os homens, sendo que sem
sua presença talvez nem mesmo a chegada de Tywin Lannister pudesse
salvar a cidade sem a estratégia de Tyrion. Porém, para o povo, Tyrion é
um demônio que manipula Joffrey, provavelmente sendo o culpado pelos
absurdos cometidos no reinado deste. O que Tyrion parece ser aos olhos
do povo é diferente do que ele é.
Em todo o jogo pelo trono de ferro, vamos vendo que o parecer ser é
mais importante que o ser dos indivíduos na política. Pode-se utilizar o
termo maquiavélico para pensar a política de Westeros?
Nicolau Maquiavel (1469-1527) é lembrado devido a alcunha de
maquiavélico dada aos indivíduos pérfidos, maliciosos, estrategistas que
sempre utilizam tudo como meios aos seus fins, afinal “os fins
justificam os meios”. Tal frase não fora escrita por Maquiavel em sua
obra “O Príncipe”, sendo mais um aforismo que resumiria sua obra,
mas não é do autor. Mesmo este aforismo não é justo com relação ao
conteúdo de sua obra.
A obra foi escrita no ano de 1513, entre a primavera e o outono
daquele ano, dedicada a Lourenço II (1492-1519), potentado da família
dos Médicis e duque de Urbino. É uma obra de fácil leitura, mas não tão
simples de ser lida sem uma compreensão de seu contexto e da ruptura que
ela traz à filosofia política da antiguidade. É imprescindível,
inclusive, saber que seu autor era republicano, daí Rousseau dizer, anos
mais tarde, que a obra é uma grande paródia da maneira como os reis
agem na prática.
Antes desta obra, a política é pensada desde Platão e Aristóteles
como algo decorrente da ética, tendo a finalidade de propiciar o bem
geral a todos os membros da pólis. O contexto deles era de uma
democracia ateniense em franca decadência, mesmo na época em que
Sócrates atuou. De certa maneira, suas reflexões surgiam dessa
decadência, por isso são fundamentadas na ética como maneira de superar
essa decadência. Tal modo de reflexão política perdurou por toda
antiguidade até a modernidade, com a obra “O Príncipe”.
Escrita como um compêndio de conselhos de como manter o estado, ela
rompe a ligação entre a política e a ética, mas não causando essa
ruptura historicamente, já que a obra simplesmente expressa a prática
política provavelmente anterior à modernidade.
A grande finalidade do príncipe é manter seu reinado, daí sua moral
ser diferente da moral religiosa que busca a salvação do indivíduo. Já a
moral do príncipe se constitui de todo o necessário para a manutenção
desse estado, utilizando-se de meios como coação e violência se
necessário, mas sem exageros. O príncipe precisa se preocupar com os
meios utilizados, pois se ele for amado pelo povo, este irá segui-lo e
ajudá-lo a manter a coesão do estado; se temido, ainda cooperarão por
temor; mas se odiado, lutarão contra ele desarticulando seu governo e o
próprio estado. Dessa maneira, Maquiavel se preocupa com os meios, pois o
ideal é que o governante seja amado, sendo temido somente se não puder
ser amado, mas nunca odiado.
O príncipe necessita saber que há pessoas em volta que desconfiam
dele, que almejam seu poder. Suas ações para manutenção do reinado devem
contar com isso, e mesmo partir deste princípio. Daí a importância na
relação com o povo ser essencial através do parecer ser, mais do que o
ser.
Recomendo utilizar estes apontamentos, e a
leitura dos artigos indicados, para se aprofundar na obra de Maquiavel, e
perceber como a política de Westeros a demonstra em vários aspectos.
Mesmo vivendo numa democracia, ainda muitos políticos e partidos agem
dessa maneira, sendo necessário percebemos esses processos políticos,
principalmente no momento histórico em que vivemos.
Fontes de Aprofundamento
Desmistificando Maquiavel, Angela Birardi e Gláucia Rodrigues CastelaniMaquiavel e a construção da política, Raquel Kritsch
O Príncipe, Maquiavel
Um pensador da ética, Renato Janine Ribeiro
Publicado originalmente em: http://randomcast.com.br/nerdices-filosoficas-game-of-thrones-e-maquiavel/
© 2013 Tiago de Lima Castro
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