Momento Caipira – Por que músicas caipiras são tão tristes?

Por: Tiago de Lima Castro



Texto originalmente escrito para o blog: http://euterpedespedacada.blogspot.com.br/2015/02/momento-caipira-por-que-musicas.html

Quem nunca se perguntou o porquê das letras caipiras serem tristes, falarem dos prolemas amorosos, das dificuldades da vida. Por que tamanha ênfase nas dificuldades intrínsecas a vida no interior? Há casos em que a canção termina em tragédia e em outras o inusitado ocorre. Ouçamos os exemplos abaixo:

 




A música caipira tem uma longa história, tendo início no processo de catequização, onde jesuítas já utilizavam a viola caipira assimilando ritmos indígenas num contexto de catequização. Temos exemplos de ritmos como: Cururu, Cateretê, Cana-verde, entre outros. Posteriormente, ritmos de origem africana também foram absorvidos, como o Batuque – sendo os ritmos derivados deste, como Batidão, a base de certa faixa do chamado “sertanejo universitário”. Essa base de religiosidade e sincretismo, fruto da ação jesuíta, formou o núcleo daquilo que veio a ser conhecido como música caipira posteriormente.

Como assevera Roberto Correa, toda prática da viola implica toda uma mística de pactos com diabo e relações com o divino. Antes da canção caipira, a prática musical do caipira e do tropeiro eram baseadas em dois núcleos nem sempre separados nas festividades: a adoração e o falar da vida. Essa divisão tem um caráter instrumental a esse texto.

A adoração são folias e folguedos como festas do divino espírito santo, folias de reis, exaltação a São Gonçalo, o santo violeiro, dia de Santo Antônio, e demais santos das festas juninas. Nestes momentos, fora das igrejas, as pessoas buscavam na música com a viola, por meio de ritmos oriundos de tradições indígenas e africanas, uma relação de espiritualidade com o divino. Mesmo em um meio cultural católico, enaltecer a justiça divina era feito por meio de danças e cantos em meio ao mato e nas próprias casas. Como não ver ecos de antigas danças indígenas e africanas em meio a natureza como celebração da vida, agora transpostas para um contexto católico, em busca de ligação com Deus através do Espírito Santo, mas em meio ao contexto rural, as plantações, nas próprias casas através da alegria plena destes folguedos? Como exaltar a Deus sem alegria? Lembrando que falamos de um catolicismo jesuíta do período colonial sincrético com comemorações indígenas e africanas. Daí tantos ritmos alegres nesse contexto.




O falar da vida já tem outro foco, aqui falamos da dureza da vida do caipira e do tropeiro, tanto de seus amores como de suas dificuldades sociais. Grande parte da moda de viola, em sua especificidade enquanto prática caipira, expressa essa temática. Das dificuldades de levar o gado por grandes comitivas, da exploração dos donos de terra, dos conflitos em nome da honra... Como representar a dureza da vida com alegria e com  ritmos contagiantes? Por isso a tristeza permeia as modas de viola e das toadas. Ouçamos os exemplos acima.

O caipira vê o mundo com uma visão encantada, no sentido tratado por Max Weber. É um mundo metafísico em que o divino e o diabólico são realidades concretas presentes em nosso cotidiano. A religião, nesse contexto, não é algo subjetivo que fazemos em instituições religiosas, mas é uma espiritualidade em que o divino e o mundo estão em plena relação. A vida urbana, no Brasil, já caminhava para um mundo laico, liberal e desencantado, onde a religião é algo meramente de foro íntimo. Para o caipira, Deus, Santos, Diabo e tudo mais, são realidades plenas e concretas, de certa forma. Por isso os romances de Guimarães Rosa são tão metafísicos, por exemplo.

Num contexto católico, mesmo que sincrético, como é do mundo caipira, devemos viver buscando a vida eterna, pois ali teremos a vida em abundância desde que tenhamos uma vida humilde e cristã. Daí, devemos honrar a vida eterna, a Cidade de Deus, como diria Agostinho de Hipona; e chorar a vida mundana que é somente um prova de fé em suas intrínsecas dificuldades, para sermos merecedores da verdadeira alegria nos reinos dos céus. Dessa forma de vê, jungida a alegria intrínseca das festividades indígenas e africanas de comunhão com suas divindades, canta-se as alegrias da vida eterna com danças e festividades, enquanto ao ruminar as dificuldades da vida mundana não tem nenhum sentido serem cantadas com alegria... Essa dicotomia da realidade, como vista pelo caipira, é expressa em sua musicalidade.

As canções caipiras surgem no início do século XX, com ajuda de intelectuais como Cornélio Pires, Mário de Andrade, Monteiro Lobato, entre outros. As clássicas duplas caipiras foram criando canções – uma prática urbana – para as rádios, tirando o contexto dos folguedos onde a música fora produzida. Com isso, a música começa a ter um tempo limite, como tudo no rádio, e a falar também a um público que não está vivenciando essa realidade descrita. Porém, até meados dos anos 60, a música caipira tem grande relação como o modo encantado de ver o mundo, como descrito acima.

Porém, como as duplas farão canções de rádio para ganhar dinheiro, falando das alegrias dos santos e do espírito santo? Num contexto de cunho católico, mesmo que sincrético, isso é desrespeitoso e abominável, daí as canções focarem-se no falar da vida principalmente, pelo menos até meados dos anos 60, em que ela muda de contexto. Mas isso é assunto para um outro Momento Caipira...

Sugestões para aprofundamento

A Arte de Pontear a Viola, Roberto Correa

Cantando a própria história, Ivan Vilela - http://www.musicadesaopaulo.com.br/ivan_vilela.pdf

Rosário de Capiá, Nhô Bento

São Gonçalo, Tiago de Lima Castro - https://tianix.wordpress.com/2008/07/10/sao-goncalo/

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